Arquivo da Categoria ‘O Olhar de….’
O olhar de … Paulo Arsénio
5 de Abril de 2009
foto: joão espinho
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Ir ou não ir,
Ficar ou partir?
Ora por caminhos paralelos,
Ora por trilhos que se cruzam,
Viajando livre por vias estreitas
Em busca de linhas que seduzem.
Parar ou avançar,
hesitar ou arriscar?
Vagabundo do espaço imenso,
Quebrando obstáculos e barreiras,
Procurando chegar mais longe,
Viver num mundo sem fronteiras.
Ir ou não ir,
Ficar ou partir?
Paulo Arsénio
foto daqui
O olhar de … Vítor Encarnação
4 de Abril de 2009
foto: joão espinho
- Escrevo-te este bilhete num papel de parede.
E em cada crepúsculo, este muro será o horizonte onde eu me ponho dentro de ti.
Vítor Encarnação
O Olhar de… Jorge Barnabé
9 de Março de 2009
foto: joão espinho
Desço a rua empurrado pela saudade e firme no desejo de acreditar que ao fundo um campo de esperança se abre ao encontro dos meus braços. O caminho empedrado e as casas rasas que servem de encosto aos cansaços conduzem os meus passos desacertados. O silêncio da tarde que se perde nas casas cerradas, no branco lavado da cal, desafia a ambição de um dia seguinte. Pergunto pelo futuro, questiono os caminhos para além deste – passivo e incómodo – e respondem-me os postigos emperrados, as vozes caladas e as gentes acomodadas, os rostos gastos na desesperança e um céu azul que ilustra o nada de uma vida inteira. Ao chegar ao fim da rua uma outra ruela me trava, uma linha branca de moradas perdidas me separam dos campos abertos e verdes que procuro. Como a esperança do futuro. Olho para trás, para o cimo da aldeia que desci e um ou outro corpo se atreve no caminho empedrado, encostados à brancura da cal, desanimados como a confiança. Terá esta terra futuro? Pergunto ao meu íntimo pensamento. Não, enquanto existirem os labirintos, disfarçados de lugares comuns.
Jorge Barnabé
O Olhar de … Jorge Barnabé
6 de Outubro de 2008
foto: joão espinho
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Conhece-me a dureza do campo melhor do que me conheço. As brisas quentes do Verão. O vento áspero do Inverno. A terra rude que me enlaça os pés. Perdi a conta ao tempo, deixei-me vencer pelo suor dos dias. Permiti que o sol me levasse a esperança de uma vida melhor.
Já não me atrevo a olhar sobre o ombro para não me abater pelo desencanto amargo dos meus desejos de rapazinho. Nessa altura, quando olhava o horizonte para além das cabeças de gado desafiava-me a mim próprio em ideias revolucionárias. Queria conhecer o mundo. Queria percorrer nos meus próprios passos outras estradas, bem mais suaves.
Quis o destino fazer de um cajado meu guia. Um pedaço de pau calejado que me prende ao chão, que me ergue ao sol-posto. Quis o destino contrariar-me noutros passos. Roubar-me a esperança como um lobo rouba a vida ao rebanho indefeso. Quis a rotina dos dias tomar-me como se fosse um desigual. E eu acedi, resignado, enclausurado na terra que o passado me deixou em herança. Agora, aguardo na solidão a fantasia do dia depois de hoje. Caminho pela estrada irregular e satisfaço-me com as sombras das azinheiras, mais frescas que a vontade de sonhar.
Jorge Barnabé
O Olhar de … Miguel Ângelo
1 de Outubro de 2008
foto: joão espinho
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NOSTALGIA
Das sombras
vens
como um anseio
até mim.
Sombras
que carregam de cinza
a luz branca
que ficou na
tua ausência.
Sombras
como
almas perdidas no tempo
e que
vestem este
manto que me tolda
a memória.
Miguel Ângelo
O olhar de … Francisco Mósca
30 de Setembro de 2008O Olhar de … Élia Carvalho
19 de Julho de 2008
foto: joão espinho
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Ao fim de muitos anos voltei… quebrei o que disse, desde a última vez que fechei esta porta…
Voltei…
Na esperança de um reencontro… incerta em relação ao que iria encontrar… mas… arrisquei…
A lembrança doce de cada entrada que fiz nesta porta… de cada vez que fechei este postigo… foi mais forte que qualquer outro pensamento…
Curioso… reconheci cada curva da estrada… cada árvore centenária… até os candeeiros da entrada estão iguais… sem luz…
Um gélido arrepio me percorre… Sinto o teu calor, aproximas-te, e sussurras… “Abandonei-a… tal como me fizeste. Mas… ainda hoje cá volto à mesma hora… só para sentir o cheiro que deixaste impregnado neste ar… Que nem as vidraças partidas deixam o vento levá-lo…”
Em cada passo oiço um estalido, algo se quebra… cacos por todo o lado… curioso… o espelho que parti no mesmo sítio… e os vidros caídos em seu redor…
“Foi preciso eu partir para saberes o quanto me querias… Mas olha em teu redor… Podes ver nestas paredes como eu estava quando daqui saí…”
O teu abandono começou muito antes de eu fechar esta porta a última vez…
Élia Carvalho
O Olhar de … Vítor Encarnação
27 de Junho de 2008
foto: Igor Amelkovich
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Esta noite preciso que me raptes.
Preciso que me prendas
as mãos ao teu corpo
e me digas onde se ouvem
os gritos da tua pele.
Preciso que me ates ao escuro
e me ensines o teu cheiro
e eu prometo que aprendo a
a voar em ti.
Preciso do branco dos teus dentes
roçando levemente
a minha vida toda
e tu e eu, com os lábios ávidos,
comeremos a loucura à dentada
até nos dividirmos em dois cansaços.
Esta noite rapta-me
e mantém-me cativo,
tolhido em lençóis e luxúria.
Vítor Encarnação
O Olhar de … Ana Ademar
20 de Junho de 2008
foto: joão espinho
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Girassóis
Se me trazes girassóis
se me lembras girassóis
se os trazes no bolso em segredo
sem se que se saiba.
Oferece-me girassóis,
traz um molhinho,
pequeno,
desarranjado,
ou traz só um.
Oferece-me um girassol.
Um que seja,
para enfeitar a parede da casa onde não vens,
para calar o silêncio que me ensurdece.
Traz uma folha, uma pétala,
mesmo no bolso
já murcha,
seca.
Traz e deixa-a na minha mão,
como um dia te deixei os olhos, a boca, a alma e mais qualquer coisa que não sei precisar,
mas de que preciso agora,
para seguir.
Ana Ademar
O Olhar de … Miguel Almeida
4 de Abril de 2008
foto: joão espinho
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Os rostos cansados, dos velhos, que já foram jovens, lembram-se lá ao longe dos sonhos que tiveram e não realizaram nem metade deles. Rostos cansados, dos dias solarengos, das noites ao relento, do vinho que beberam, das noites de folia, dos bailaricos, e de namorarem à janela das suas cachopas. Rostos cansados de tantos anos a fazer o mesmo, sempre o mesmo.
Levantar, passear pelos campos os animais, entreterem-se com as brincadeiras dos cães que ainda guardam as poucas ovelhas que ainda têm, que o tempo hoje não é para pastores, é para os computadores. Já nada é como antigamente. Deitam-se, os ossos já rangem, os comprimidos, se é que têm dinheiro para os ter, tomam, para descansarem. Rostos cansados, mas cheios de sabedoria e experiência da(e) vida. Isso ninguém lhes tira. Rostos cansados, mas cheios de histórias para contar, de coisas que eu já não sei o que são, de coisas que nunca ouvi falar, de coisas que só estão na minha imaginação, porque nunca as vivi. Rostos cansados que nos lembram que temos um passado, de vivermos o presente, para depois, contarmos ao futuro, como eles a nós, o passado. De rostos cansados…
Miguel Almeida
O Olhar de … Horácio Flores
14 de Março de 2008
foto: joão espinho
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Foi por certo precisa muita determinação e intencionalidade para tratar este tema a preto e branco, descarnando a fotografia da cor, elemento por certo dominante no processo de criação da sua jovem autora, aluna do 6º ano, a “Tu sabes” (e o feliz Gonçalo é que sabe), que terá à volta de 12 anos, e que deve estar a viver o seu primeiro amor.
A renúncia à cor na reprodução publicada terá muito provavelmente a intenção de nos chamar a atenção para o significado da mensagem, por muito que a forma não tenha sido desprezada. Suportou bem essa renúncia.
O nascimento do amor na entrada da adolescência pode ser preocupação para os pais, mas é enternecedor para os outros. Preocupante é bem sabermos, mesmo os não puritanos, que com a crescente banalização do sexo dentro de escassos três ou quatro anos o Gonçalo e a Tu Sabes se poderão tornar clientes mais ou menos assíduos da pílula do dia seguinte. Este passar, numa só geração, do 8 para o 80, gera nos mais velhos um certo desconforto.
Melhor teria sido talvez ficarmos pelos 40.
Horácio Flores



