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Boas notícias
16 de Maio de 2013Nuno Júdice ganha prémio Rainha Sofia.
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O poeta português Nuno Júdice ganhou hoje o 22.º prémio Rainha Sofia de poesia ibero-americana, sucedendo assim a Ernesto Cardenal, da Nicarágua, a quem tinha sido atribuído o galardão no ano passado, de acordo com o “El País”.
(ler aqui)
lembras-te?
10 de Maio de 2013foto: Milos Burkarhdt / Burki
Lembras-te?
Lembras-te dos acesos diálogos das nossas línguas e do mundo ser feito dos nossos lábios? Lembras-te?
E do fecho de correr da tenda de campismo a abrir os nossos corpos depois de termos fumado cigarros e o resto do sol que caía no mar como cinza.
E recordas-te de teres areia na pele e depois já não teres areia na pele porque eu já a tinha toda nos meus dentes? E de termos sal nas bocas – que estranho termos sal nas bocas se nadámos de boca fechada e lavámos os dentes antes de deitar.
E dos grilos que cantavam sem parar nos meus dedos. Lembras-te?
E de termos só uma almofada e da absoluta ausência de espaço entre nós e de não haver colchão e não nos doer nada de manhã e de querermos que a noite fosse um caracol? E de comermos as palavras um do outro mal elas apareciam na boca ainda verdes, ainda imperfeitas, e os beijos serem glossários a explicar a razão de termos frutos precoces entre dentes, de termos polpa nos lábios, de termos sumo de saliva no queixo? Éramos imaturos, quase apenas o caroço, e tínhamos pressa e fome de deixarmos a casca toda a nossos pés. E quando eu me despedia de ti não lavava os dentes para não te perder nessa noite.
Lembras-te?
Vítor Encarnação in Diário do Alentejo
Dia Mundial da Poesia
21 de Março de 2013primavera
20 de Março de 2013
foto: Kerstin Pukall
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Ela traz a Primavera toda no corpo.
É uma luminosa madrugada de Março que nos invade saborosamente.
É terra e adubo. Carne e fruto. Um campo arredondado que apetece percorrer à mão e sem descanso.
Ou um morango por apanhar, dizem os lábios gulosos dos homens.
Os cabelos são ervas perfumadas, ninho de dedos, escadas de subir aos céus.
Fios de prumo. Cordas de nos atarmos ao resto. Cabos de alpinista que desce.
E desço. Para beber a água dos olhos. – Porque os há que são poços sem fundo -.
E pintá-los de mar ou de limão ou de polpa de melancia até às sobrancelhas. E depois tomar banho na enseada das pupilas. E nadar por dentro de um túnel secreto que os olhos têm. – Já lá morreram marinheiros de palavras – .
E à beira deles, as faces são praias onde morrem insignificantes os beijinhos comuns, familiares e festivos. E no entanto é aqui que o encanto assenta. É aqui a espinha do sorriso, o suporte da magia. A rota da seda e das lágrimas.
O rosto é de uma Vénus e a pele que o envolve a Via Láctea dos meus dedos de ficção.
Os ouvidos são a foz das palavras. É para lá que elas caminham gulosas, como formigas com patinhas de veludo, levando geleia nos dorsos para oferecerem ao cérebro que as gosta de comer.
Os lábios são cerejas antes de tempo. A boca um cabaz para um piquenique de beijos. Os dentes gomos de laranjas doces. A língua o pão fresco. Que é como quem diz quente. E quando acende um cigarro, faz de conta que sou eu que me puxo fogo.
O pescoço é o caule que suporta esta flor de lis e de carne.
Ou o altar que sustenta esta fé no desejo.
Amarro duas cordas aos ombros dela, e faço um baloiço entre mim e o decote.
Deve ser em lugares destes que os rouxinóis repenicam o cante. E onde os olhos se deitam em almofadas de espanto.
Há um rio que corre entre os seios. Leva um barco.
Dentro do barco há um pescador de ilusões.
A barriga é já o mar alto e o umbigo o farol para eu me perder. Ou se regressarmos à terra, um campo todo, todo verde com uma papoila no meio.
As ancas vertem mel dos movimentos. São uma colmeia acesa de abelhas e asas doces guardando uma maçã.
Os braços são as hélices deste delírio e as mãos têm gelados de pêssego nas pontas dos dedos.
Desço pelas ervas. Escorrego pelos troncos das pernas e sinto medo. É este o caminho das serpentes. O pântano por debaixo dos nenúfares.
Vítor Encarnação
bom fim de semana
9 de Novembro de 2012” (…) E depois, lentamente, as uvas irrompem, iluminam-se e ganham forma de mulheres redondas. São mulheres tintas e mulheres brancas aos cachos enfeitando a planura.
Para as uvas ficarem mais doces, um silêncio de açúcar percorre a vinha toda.
E da secura dos torrões e do azul do céu aparecem bichos e pássaros à procura de um qualquer bago maduro.
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(…) O vinho tem palavras frutadas dentro dele. São adjectivos superlativos de superioridade, são verbos de tentação, substantivos brancos, exclamações tintas. O vinho é um diálogo entre um homem e a sua raiz.
Quem nunca pisou uma vinha e nunca entrou numa adega está incompleto. Falta-lhe ir a montante da seiva, perceber a complexidade, deixar entranhar o perfume, absorver o percurso todo.
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Uma garrafa de vinho tem corpo de mulher. Observar a forma, passar os dedos pelo vidro, recitar o rótulo, sacar a rolha, encher o copo, são os preliminares de um absoluto contentamento gustativo(…)”
Vitor Encarnação in Correio Alentejo
as primeiras chuvas
23 de Setembro de 2012dia da mãe
6 de Maio de 2012Palavras para a Minha Mãe
mãe, tenho pena. esperei sempre que entendesses
as palavras que nunca disse e os gestos que nunca fiz.
sei hoje que apenas esperei, mãe, e esperar não é suficiente.
pelas palavras que nunca disse, pelos gestos que me pediste
tanto e eu nunca fui capaz de fazer, quero pedir-te
desculpa, mãe, e sei que pedir desculpa não é suficiente.
às vezes, quero dizer-te tantas coisas que não consigo,
a fotografia em que estou ao teu colo é a fotografia
mais bonita que tenho, gosto de quando estás feliz.
lê isto: mãe, amo-te.
eu sei e tu sabes que poderei sempre fingir que não
escrevi estas palavras, sim, mãe, hei-de fingir que
não escrevi estas palavras, e tu hás-de fingir que não
as leste, somos assim, mãe, mas eu sei e tu sabes.
José Luís Peixoto