Arquivo da Categoria ‘Poetas’

Nuno Júdice

17 de Março de 2024


1949-2024
Faleceu o poeta mais citado aqui no blogue.
Letras e palavras que continuam, regularmente, a saltar das estantes para os meus olhos.
A sua poesia permanecerá em muitas das minhas memórias.

Share

Passamos pelas coisas sem as ver

10 de Setembro de 2019


foto: j.e.

“Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.”
Eugénio de Andrade

Share

Lenha

19 de Novembro de 2018

    “Dentro de todo o Alentejo que tenho dentro de mim, ou seja dentro do que sou, encontro uma das sensações mais simples e ao mesmo tempo mais profundas. Espero pelas formigas de asa, espero que elas me digam que é tempo, eu acredito nas formigas de asa porque sei que elas são a voz da chuva, sei que são o prenúncio do frio, o augúrio das geadas, até agora nunca falharam e já muitos outonos e invernos me passaram por cima. E por isso, por saber que virão dias cortantes e virão noites em que na rua só haverá gatos com cio, encomendo lenha, melhor, encomendo uma emoção que arde. Varro o alpendre, aprumo a telha, dou um aconchego nas paredes, faço uma casa para a lenha vir morar comigo. E quando a camioneta chega já tenho a casa pronta, os homens atiram a lenha para o chão, os tarolos e os madeiros trazem musgo agarrado à casca e bichos-de-conta nas saliências, arrumo-os, faço paredes de azinho, o azinho faz paredes tão bonitas, arrumo as enxapotas, escolho o madeiro para o Natal, será o maior, há-de arder noite e dia. E depois quando o frio chega, às vezes ainda não há frio mas eu já não aguento a espera, acendo um fósforo e puxo fogo à minha emoção, primeiro a lenha miúda, depois a casca, depois a carne da lenha, depois os ossos da lenha, vou ardendo lentamente, faço-me em fumo, ergo-me em labaredas, renasço das cinzas. Ponho as mãos no fogo e não me queimo.”

Vítor Encarnação

Share

Poesia

21 de Março de 2018

Ternura
Desvio dos teus ombros o lençol,
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do sol,
quando depois do sol não vem mais nada…

Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
onde uma tempestade sobreveio…

Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo…

Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!

David Mourão-Ferreira, in “Infinito Pessoal”

Foto: raft & lea

Share

O olhar de…

4 de Dezembro de 2017


foto: joão espinho

    “Escrevo poemas na água à espera que um dia tu tenhas sede.”
    Vítor Encaranação
Share

Na insolação do sul

17 de Novembro de 2017


foto: Sergey Sorokin

Na insolação do sul
as bocas secam de silêncio.
Antes da maturação das uvas não há palavras,
há somente uma ideia de casta a ecoar na vinha,
apenas cachos de letras redondas
à espera que mãos as venham colher
e as desengacem.
Depois é preciso triturar as letras,
é preciso esmagar o fruto nu
para que, de dentro da pele,
os vocábulos mais puros
escorram e inventem o mosto.
O mosto é o prenúncio da voz.
O mosto é o princípio do poema líquido.
As palavras crescem dentro do mosto,
as palavras fermentam dentro do poema,
as palavras trasfegam do mosto para o poema
e depois para o vinho.
Arrancamos a cortiça da mudez,
soltamos o vinho, soltamos o poema,
vertemos a paixão
e as palavras clarificam-se na boca.
Vítor Encarnação

Share

Outono

22 de Setembro de 2017


foto: samuel h.

Eram folhas e folhas de palavras
escritas na árvore da tua pele.
O Outono chegou e tu despiste o meu poema.
Ainda bem.
Assim consigo ler-te melhor.
Vítor Encarnação

Share

Sugestão de leitura

10 de Agosto de 2017

“Era uma vez um homem que pretendia recuperar as histórias das casas abandonadas. Para o conseguir, decidiu tornar-se num afinador de memórias. Num homem dedicado a consertar coisas esquecidas. Logo pela manhã, montava-se no verbo ouvir e percorria ruas e demais vizinhança com o propósito de acabar com a indiferença das pessoas perante tanto desleixo. Pretendia nomes, acontecimentos, factos, enredos e argumentos para reabilitar o que existiu restaurando o que ainda existe. Queria calcetar tudo no presente. Tinha pressa do passado. Ir de porta em porta armazenar futuro atrás de futuro.

Um dia, cansado de tanto esquecimento, declarou: “É do ar que todos vivem, pelo ar mudarão!” E começou a contar tudo o que sabia, de dia, de noite e de madrugada. As palavras saíam-lhe ininterruptas de modo a saturar o ar de histórias ainda não ouvidas. As pessoas, inspiravam-no pela pele, pelo nariz, pelos ouvidos, pelo sonho. Dentro delas, circularam respeitos até então desconhecidos.”

Share

Do Mosto à Palavra

10 de Maio de 2017

Termina hoje o prazo para submissão dos textos e poemas concorrentes ao 1º Prémio Literário Do Mosto à Palavra.
Recordamos que a revelação e entrega dos prémios terá lugar a 27 de Maio, na Herdade do Monte Novo e Figueirinha, em Beja, num evento aberto ao público e onde se antevê uma tarde de convívio bem passada bem à moda do Alentejo.

Share

Do Mosto à Palavra

25 de Março de 2017

Share

Mulheres

8 de Março de 2016

Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Não pela cor
Mas pela vastidão da alma
E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos
Ficam para além do tempo
Como se a maré nunca as levasse
Da praia onde foram felizes

Há mulheres que trazem o mar nos olhos
pela grandeza da imensidão da alma
pelo infinito modo como abarcam as coisas e os homens…
Há mulheres que são maré em noites de tardes…
e calma
O mar dos meus olhos” – Sophia de Mello Breyner Andresen

————————–

Elas são as mães:
rompem do inferno, furam a treva,
arrastando
os seus mantos na poeira das estrelas.

Animais sonâmbulos,
dormem nos rios, na raiz do pão.

Na vulva sombria
é onde fazem o lume:
ali têm casa.
Em segredo, escondem
o latir lancinante dos seus cães.

Nos olhos, o relâmpago
negro do frio.

Longamente bebem
o silencio
nas próprias mãos.

O olhar
desafia as aves:
o seu voo é mais fundo.

Sobre si se debruçam
a escutar
os passos do crepúsculo.

Despem-se ao espelho
para entrarem
nas águas da sombra.

É quando dançam que todos os caminhos
levam ao mar.

São elas que fabricam o mel,
o aroma do luar,
o branco da rosa.

Quando o galo canta
Desprendem-se
para serem orvalho.
Algumas Reflexões Sobre a Mulher – Eugénio de Andrade

Share

Vítor Encarnação

30 de Janeiro de 2016

vitor encarnação

Hoje, na Biblioteca Municipal de Beja, pelas 16H00.

Share