Arquivo da Categoria ‘Contos no Parque’

Um conto

20 de Setembro de 2008


foto: mine

Que se esboça, reescreve e reinventa.
Como começariam a estória desta fotografia?

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Contos no Parque -3-

20 de Setembro de 2008

Passados alguns meses – um tempo que L. não sabe determinar – dirigiu-se ao Parque quando ainda a noite dava os seus primeiros passos. As poucas luzes reflectiam-se na água, onde também podia ver uma meia lua que parecia ser o reflexo da música que lá ao fundo soava, vinda de um bar, também ele reflectido nas águas do Parque. Subiu pela pequena ponte, olhando sempre para o fundo das águas, na esperança de reencontrar a tela que havia rejeitado. Viu que a mesma se derramava agora em cores intensas deixando, porém, ver ainda os seus esboços. Aquelas imagens e o som que agora se tornava mais intenso, fizeram-no abandonar a ideia de recuperar a tela. Entrou no bar. “Who was dragged down by the stone” ouvia-se nas colunas. Deixou-se ficar.


foto: aeric meredith-goujon

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Luar

19 de Setembro de 2008


foto: via NadineHX

Deitas-te na relva olhando este céu nocturno. Pedes-me que te explique, na tua língua, as cores do luar. Desenho-te, a preto e branco, uma fotografia de uma lua cheia que o teu corpo nunca experimentou. Desejas-me ali, sob o luar, mas levo-te para a penumbra, onde a face obscura da lua nos acolhe e me sussurras, sem paixão, os gemidos do teu orgasmo.

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Noite

18 de Setembro de 2008

Um olhar, um interrogar. Peço-te a imagem do símbolo. Uma, única, a que tens ao peito.
Desfaço-me do que me parecia um pântano. Desejo-te o peito, o corpo, transformados em paisagem que se revela num beijo que não existe.
Captas-me a expressão, tomas-me em filme. Não resistes. Não te desejo. Possuo-te. E quando querias roubar o meu afogamento no tempo lanço-te “não és mais que uma ponte” e sais, sem que a palavra adeus signifique aquilo que a tua língua traduz.

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Hotel room

13 de Setembro de 2008


foto: Chip Willis (via all in one)

Dirigiu-se para o comboio com a certeza de que, no fim da linha, não iria encontrar o fim do mundo uma coisa do outro mundo. Sentou-se, pegou no livro e adormeceu.
Ao entrar naquele quarto de hotel tudo lhe pareceu familiar. Até aquele corpo deitado nos lençóis brancos, apesar do primeiro encontro, não lhe era estranho. Beijaram-se num tumulto ardente, sem trocarem palavras desnecessárias. O escasso tempo de que dispunham não permitia jogos de sedução física. Era o desejo que lhes consumia os olhos e as línguas. Apaixonadamente envolveram-se, deixando no ar os sabores e aromas do sexo.
Quando acordou, estava transpirada, húmida. Recorda-se de o passageiro em frente lhe ter dito: “Esse livro que está a ler é muito interessante. É um verdadeiro sonho”.
E ela não havia ainda passado do 1º capítulo.

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O carteiro

11 de Setembro de 2008


foto: via roesje

Uma inesperada transferência, levou-o a ser colocado numa pequena aldeia do interior. 2 ou 3 restaurantes para lhe aconchegarem o estômago, uma sala de projecção de filmes, um quiosque de jornais, brindes e pó-de-arroz, tudo parecia pouco, mas o suficiente para o mês que iria ali passar.
À falta de pensões ou residenciais, decidiu-se por alugar um quarto, com serventia de casa de banho e tomadas para ligação do seu portátil.
Nos números pares, em maior quantidade, senhoras viúvas, de lenço negro, ofereciam-lhe roupa lavada e serões em volta de histórias antigas, talvez até um joguinho de cartas. Nos ímpares, senhoras divorciadas, que para além da cama ainda lhe ofereciam alguma saliva para colar os selos. Tudo a bom preço.
Em desespero, lançou o batente da última porta, onde já se adivinhava o fim do mundo. Uma trintona de bom aspecto e perfume suado, cobrava-lhe um preço demasiado elevado para o seu parco salário. Mas garantia-lhe uma cama aconchegada. Decidiu-se por esta habitação. Mais pela cama do que pelo quarto em si, que só dispunha de bidé.
E também porque a sua proprietária não tinha por hábito ler e muito menos escrever cartas.

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Conto no Parque -2-

5 de Setembro de 2008


foto: I Volgin

No passeio seguinte pelo Parque, L. tentou explicar-lhe a súbita atitude de lançar à agua a tela que iniciara. Em poucas palavras relata-lhe o sonho que tivera em pintar uma aguarela onde só existissem ela, uma janela e um livro. Naquela madrugada, porém, tudo parecia incomadá-lo, provocando-lhe traços incontrolados de uma mão que desejava tocar-lhe no corpo, possuí-la mesmo ali, esquecendo as cores e os pincéis. O seu sonho de pintor seria adiado, também naquela noite, quando ela o abraça, dando-lhe um beijo e convidando-o para que se amassem ali, naquele momento.

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Contos no Parque -1-

2 de Setembro de 2008


foto: Josh McAndrew

L. chega ao parque decidido. Não a avisara dos motivos do encontro. Também, áquela hora, seguramente que ninguém iria aparecer ou colocar questões.
Gostaria de lhe mostrar o nascer do sol, mas no parque seria quase impossível. Desenharia então uma aguarela, pedindo-lhe que assistisse à sua produção, pousasse nua para ele, dentro de água, e que visse como se redesenham paisagens. A alvorada reflecte-se na película de água, tornando a superfície do lago como a aguarela desejada.
Num impulso, L. atira a tela para o lago.
Não lhe respondeu, pois sabia que com a aguarela se afundavam todos os esboços de alvorada.
Partiram de mão dada, prometendo-se pintar as cores de um novo encontro.

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