Arquivo da Categoria ‘Célia’

Célia -60-

12 de Dezembro de 2009

Aquele beijo de Mariana deixou-me hesitante. Estaríamos a recomeçar uma relação que nunca começou? És capaz de te recordares de quem és?, incomodando-me com uma questão que não tinha resposta. Ali sentado à beira dos meus livros, daquela mulher que me apetecia descrever, é Célia quem me agita, numa mensagem onde o sal do teu beijo mistura-se com o sal deste oceano e com o sal destas lágrimas. Mariana pede-me um abraço, lançando estás preparado para me ouvires?. O telemóvel toca, não me apetece atender, atende!, diz-me Mariana, e eu, ali, a dizer-lhe que o mundo deu uma volta. Foi quando Mariana me relatou as paixões, as minhas, as suas… E a mensagem chegou “depois desta noite rendi-me sem receio à primavera da vida que és tu“. A minha face não escondeu a emoção. “Estás à espera do quê?”

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Célia -59-

14 de Março de 2009

Ao meter a chave na porta percebi que Mariana não saíra. A luz e o som que inundavam a casa eram a sua marca. Entrei, jogando as chaves para cima da mesa com a mesma força com que me lancei no sofá. Lembro-me de Mariana a soletrar as palavras que a música ditava. Leste a mensagem? e eu a pensar em que mensagem, qual das últimas palavras fazia sentido naquele momento, submerso como estava nas certezas das últimas horas. Voltei a consultar o que me diziam todos aqueles verbos que bloqueavam o meu telemóvel. Lidos, relidos, não vi qual deles poderia ser uma luz para desenterrar o meu afundamento.
Reenvio-te, já que não sabes do que estás à procura – era Mariana a tornar-se cúmplice de uma indesejável situação. Pedi-lhe para me ler o que eu ia receber. Lê, e tenta perceber. A mensagem reenviada deixou-me ainda mais perplexo. Recordo-me de a haver lido, mas agora recebia-a de Mariana. Ambas haviam, percebi, trocado mensagens.
És capaz de responder ao desafio “e se deixássemos de fugir de nós?”
Levantei-me, pus a tocar a música que me apetecia naquele momento, apaguei as mensagens que entupiam o meu telemóvel e, já estiraçado de novo no sofá, não resisti ao beijo que Mariana me oferecia.

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Célia -58-

7 de Dezembro de 2008

O primeiro impulso é tentar descobrir o lugar físico daquele quarto, não me importando de quem nele poderia estar deitado. Pego nas chaves de casa e saio. Não ouço Mariana alertar-me para a consequência dos meus actos nem para a distância onde se encontrava o motivo do meu tormento. Regresso para recolher as chaves do carro quando escuto as palavras de Mariana vais em procura do que já conheces?. Tento perceber-lhe as intenções. Mas é fulminante não, não te transformes. porque tu conheces aquilo que andas à procura. Olho-a fixamente, talvez como nunca antes o tenha feito e receosamente pergunto-lhe: “Serás um dia capaz de me abandonar?”.
Mariana vira-me as costas e ouço-a firmemente dizer sim, no dia em que deixares de me procurar.

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Célia -57-

10 de Outubro de 2008

Dou por mim a fugir de respostas. Mariana alerta-me para o que vem a seguir “não sabes que queres o fim, que és tu que queres por um ponto final na tua infelicidade?
Olhei uma e outra vez para a mensagem. E ali quis reler tudo aquilo que menos desejava. “Não penses em traições, elas só existem na tua cabeça“, ataca Mariana, que não me poupa “o que é que quiseste dessa relação?”. Não quero olhar para trás. “Sexo!”, como uma seta Mariana derruba-me e deixa-me a equacionar tudo o que está para trás.
Olho para as paredes e desejo esvaziá-las das coisas que possam perturbar aquele momento. “Enquanto olhares para esses quadros, estarás a recordar a tua amargura“. Mariana sabia que eu tinha que rasgar aqueles pedaços de memória.
Com ternura, beija-me e diz-me agora vai e acaba com o teu sofrimento; não esperes uma única palavra de amor ou paixão, fico aqui à tua espera!
Saio e questiono-me onde vou encontrar Célia?

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Célia -56-

5 de Outubro de 2008

Mais uma vez me deparava com uma das muitas fugas de Célia. Confrontá-la com o equívoco do destinatário da mensagem? Questioná-la com o significado dessa missiva?
Sabia antecipadamente as respostas que Célia iria tecer para só me revelar a metade da mentira. Seria o repetir de situações que sempre nos deixavam marcas de amargura. Tentei, nessa noite, equacionar a forma de rompermos a nossa já frágil ligação e evitar que as despedidas se transformassem, de novo, num “olá!”.
Mariana escuta-me os pensamentos, lê-me o olhar como se soubesse exactamente adivinhar o meu próximo passo. “Destruíste as tuas muralhas quando recebeste aquele simples, mas fatal, gostava de passar a noite contigo e agora martirizas-te porque sabes que essa noite já não é contigo?!”. Recordei, por breves momentos, o longínquo diálogo com Célia onde me tentava explicar que “sempre que alguém aparece é mais uma marca que cresce. Para depois, na hora da abalada, esse sinal ficar como uma dor”.
Não foram necessárias muitas palavras para que Mariana me explicasse o conteúdo da mensagem. “Quartos 1302 há-os em todo o lado; podem ser num hotel como na cabine de uma embarcação ou no simples leito onde se faz o amor-sexo; são os que neles se deitam que lhe atribuem o número”. Abraçou-se a mim, de forma diferente das anteriores.
Alguma coisa me fez pensar na verdade da sua descoberta.

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Célia -55-

28 de Julho de 2008

Senti a minha hesitação como longa demais. Tudo o que há momentos encarava como certezas, estavam agora dependentes de uma porta que, sabia-o, eu teimava em não querer abrir. Tinha a clara certeza do que viria atrás do meu simples gesto de escancarar uma porta, aquela que pensei ser o cadeado do meu refúgio.
Foi um longo tempo de indecisão.
Do lado de lá já não estaria agora a Célia que me dissera Porque sei que é a ti que amo! mas uma mulher à procura de feridas sem cuidar de sarar as que ainda a faziam sofrer.
Revisitei, no espaço entre o hall e o quarto, de forma fulminante, os detalhes de uma ligação que, ambos sabíamos, não sobreviveria a portas longamente encerradas.
Mariana sorriu, quando me viu ignorar a mensagem que chegara, mas desconhecia que ali estava o que eu mais temia: “Estou no quarto 1302!

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Célia -54-

24 de Junho de 2008

Não lhe fiz a vontade. Sabia que aos primeiros acordes, fosse qual fosse a melodia, Mariana não deixaria de me lançar um tentador gesto. E eu queria, naquele momento, mais do que resistir, dissolver todas as intenções, estava decidido em colocar um ponto final no tormento de me repartir em emoções. Procurava qualquer coisa que me ajudasse a não naufragar naquela ocasião, peguei num livro que estava em cima da mesa da sala, folheei-o sem o olhar, ouço Mariana resgatar-me com um “nenhuma das palavras que vais ler te arrancará da solidão em que teimas afundar-te” e pareceu-me que a razão estava ali ao meu lado. Eu não lhe poderia perguntar “vou ou fico?“, pois sabia que a permanência naquele espaço seria o fim.
Mas não era desse fim que eu andava, nos tempos mais recentes, à procura?
Não, tu não queres terminar dessa forma” e ainda a ouvi sussurrar qualquer coisa como “apaga essa página antes que ela te apague a ti“, mas já não a escutei quando a vi levantar-se, ajustar o vestido, compor o cabelo e dirigir-se para a porta da sala.
Desta vez sou eu que te espero no quarto“.
A campainha da porta fez-me despertar do súbito sonho em que me ia lançar.

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CÉLIA -53-

15 de Agosto de 2007

Não estás a precisar de te olhares? Não chegaste já ao ponto onde não querias?”
Mariana tinha o saber de se substituir a Célia sempre que via nos meus olhos uma agitação de questões.
Sento-me e vejo-me cansado mas agitado. Vou à cozinha, encho um copo com gelo, regresso à sala, pego numa garrafa de nem sei o quê e emborco-a para dentro do copo.
Queres regressar à porta do cemitério onde já estiveste?”
Como uma flecha, aquela frase atingiu-me. Fez-me despertar e recordar um fosso terrível. Não, não era aquele o meu caminho. Abandono a ideia de beber e volto a sentar-me. Olho em redor e vejo as paredes pejadas de imagens e momentos. Cada moldura tem dentro de si uma história, às vezes só de uns breves momentos. São fotografias a preto e branco que revelam corpos e emoções. Sinto-me bem a olhar para elas.
Para quê essa necessidade de flagelar a tua memória? Não contes comigo”.
Olhei para Mariana. Vi que estava a ser sincera. Subitamente esqueci as últimas horas e vejo-me a perguntar-lhe se quer tomar alguma coisa.
Preferia que me perguntasses que música quero ouvir”.

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CÉLIA – 52-

9 de Agosto de 2007

Decido-me por ir a pé. A distância não era muita e ir de carro não me transmitia segurança. E aquele era um momento decisivo nesta geometria de relações encadeadas em mal entendidos e sufocantes dúvidas. Subo a avenida como se o fizesse pela milésima vez, em passo decidido. Hesito entre o cigarro e ligar o telemóvel, e foi neste momento de hesitação que me senti quebrar.
Afinal que iria eu dizer a quem colocava os sentimentos humanos ao nível do esgoto? Que necessidade tinha eu de estar a refazer uma das pontas deste triângulo com quatro peças?
Uma dúvida maior assolou-me no momento: e se Célia tivesse fraquejado no minuto em que saiu de minha casa?
Não, essa hipótese afastei-a de imediato, por me transportar o pensamento para cenários muito escuros.
Decido-me por ligar o telemóvel na busca de caminhos, enquanto afrouxo o andamento.
Percebi que o ímpeto inicial se poderia transformar em algo irreversível.
Sento-me no banco da praceta para ler a mensagem. Olho à minha volta à procura de Célia. Vejo-a encostada mais à frente junto ao muro de escola. Fujo para ela, que me abraça:
conheço-te! sabia que a tua primeira vontade seria esta. ainda bem que desististe”.
Pego-lhe na mão, para regressarmos. Caminhamos em silêncio porque sabíamos que as palavras soariam emocionadas e ruidosas. À porta de casa vejo-a pegar na chave do carro. Convido-a, quase em súplica, para que suba. “Não, João. Agora estou a precisar de me olhar, de ver o que está dentro de mim. Porque sei que é a ti que amo!”.
Ao entrar, a casa pareceu esmagar-me. Mariana havia voltado ao ponto de partida.

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CÉLIA -51-

13 de Junho de 2007

Saí de casa. Estacionado à porta, o carro vazio de Célia. Procurei-a.
Exausto e desanimado deixei-me ficar dentro do meu carro. A mensagem de Célia trouxe-me alguma esperança: “Sabes onde me encontrar!”.
Disfarcei que sim.
Percorri o parque, como outrora, olhei para um horizonte que me parecia distante, senti um arrepio. Regresso ao ponto de partida, em busca de pistas. Aterrorizava-me o pensamento de um desfecho brutal, insinuado, demasiadas vezes induzido. Quero um cigarro que me acalme, como se eu não soubesse que ele me iria trazer mais ansiedade. Hesito em responder-lhe “Onde estás afinal?” pois isso seria entregá-la ao tormento das dúvidas e ficar também eu suspenso por uma resposta que poderia não mais chegar.
Por mim passam as imagens dos episódios mais recentes. As vozes que ouço e as que imagino. E chego ao princípio de tudo. Tomo a decisão que quero seja a última. Quero certificar-me de que tudo não acabou tal como começou.
E vou onde sempre pensei não dever ir.
Estranhamente, desligo o telemóvel.

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CÉLIA -50-

8 de Agosto de 2005

Não segui atrás dela. Desejava que se acalmasse. Afinal aquele teria sido um princípio de noite demasiadamente agitado e confuso e que certamente lhe terá trazido mais dúvidas que certezas. O seu encontro com o homem com quem terminara uma relação que parecia sólida, o julgar que ele logo de seguida se iria encontrar com Mariana e por fim encarar com esta em minha casa, tudo isto podia levá-la a um abismo. Mas agora teria que ser Célia a tentar resolvê-lo. Encontrar em si explicações para tudo o que sucedera. Ela teria que perceber que entre mim e Mariana nada restava. Pelo menos eu sabia-me indisponível. Mas saberia Célia quais as minhas intenções? O que lhe terá passado pela cabeça ao ver Mariana em minha casa? Perceberia ela que tipo de relações existia nesta geometria de quatro pessoas?
O aviso de mensagem despertou-me destas questões:
Não foi isto que quis para nós. Bastaram-me as traições de outros homens, os fracassos de outras relações. Afinal sou eu que estou a mais”.
Hesitei longamente numa resposta. Poucas coisas teria que explicar. Conhecia-lhe os impulsos para forçar saídas que não a beliscassem. Porém, ali estava Célia enfraquecida, desanimada, culpando-se, desistindo. Esta não era Célia. Tentei equacionar o que teriam dito um ao outro. Ele tê-la ia forçado a tomar alguma atitude? Esta reacção teria sido desencadeada pelo retomar da relação? Poderia eu exigir explicações?
A noite estava ensombrada de dúvidas e questões.
Quando me preparava para sair de casa a mensagem de Mariana confundiu-me ainda mais: “Ela terminou! Ele disfarça que terminou! E tu?”.
Saí de casa. Estacionado à porta, o carro vazio de Célia. Procurei-a.
Exausto e desanimado deixei-me ficar dentro do meu carro. A mensagem de Célia trouxe-me alguma esperança: “Sabes onde me encontrar!”.
Disfarcei que sim.

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Célia -49-

12 de Abril de 2005

Célia avisou-me que aquele encontro seria só para que não restassem ódios e rancores na relação que agora terminara. Sempre a vi como uma mulher decidida, sem hesitações, determinada, pelo que aquele encontro me pareceu uma pura perda de tempo, ou, e isso eu não queria admitir, uma tentativa para não encerrar mais um capítulo da sua vida. Pelo menos ela não quereria que a relação terminasse de forma violenta. Não equacionei que se tratasse de um retrocesso.
Durante as horas em que Célia se manteve ausente, decidi-me a rasgar atalhos e contactos do meu passado recente. A mim apetecia-me terminar o livro. Mais do que concluir um capítulo. Sabia que Mariana não desistiria de se assumir como mais uma peça nesta relação inicialmente triangular. Tinha a certeza que ela regressaria.
Quando deparei com o seu número, hesitei. Esquecer, ignorar, apagar? Ou deixar ficar?
Inexplicavelmente, liguei-lhe. Mariana pareceu-me agitada. Percebi que estivera a chorar.
É também por ti. Posso ir a tua casa? Agora?
Fiquei quase sem resposta. O que diria Célia, que prometera voltar directamente para o meu apartamento, se visse ali Mariana? Sem que eu a avisasse antes?
Vi o carro de Célia à porta da casa dele” – disse-me, com um ar de quem lamentava a traição de que eu estaria a ser vítima.
Não tive tempo para explicar o que se estava a passar. Célia meteu a chave à porta, entrou, e olhando para Mariana ainda disse: “Pensei que era contigo que ele se ia encontrar agora”, e saiu sem que eu conseguisse dizer uma única palavra.

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