De leitora identificada, recebi a sequinte missiva:
“Hoje li isto, através do PRAÇA DA REPUBLICA e inevitavelmente pensei: “Ninguém quer os ciganos…”
“Só prejudicam a aprendizagem e o trabalho dos professores.” “Deveriam ser todos banidos. Não são educados.” “Não cumprem as regras.” “Não os queremos aqui.”
Estas devem ser algumas das frases que povoam as cabeças dos executivos que estão à frente dos agrupamentos escolares bejenses.
Pois é, mas fazer-lhes o quê??
Eu trabalho todos os dias com ciganos e para ciganos. E muitos pensam: Coitada!. Mas não pensem.
Os ciganos têm e precisam de ser trabalhados. A forma como o nosso sistema os tenta integrar é que não é a correta.
Continuamos a dar-lhe o Rendimento Social de Inserção (R.S.I.), quando na grande maioria dos casos eles têm um “mercado paralelo” que lhes dá rendimento, e o sistema não faz nada.
Queremos que os ciganos trabalhem, mas eles têm incutido que se trabalharem não recebem o R.S.I..
Queremos tê-los na escola, integra-los, incluí-los, mas esquecemos que na cultura deles a escola só faz falta para saber ler, e para ter o Rendimento. Por isso é necessário trabalhar com as familias, perceber que devido ao seu contexto sócio-cultural, os seus ritmos de aprendizagem e a sua conceção de escola é diferente da dos miúdos “lacorrilhos” (terminologia romani para os não-ciganos). São precisos técnicos e uma(s) equipa(s), não muito numerosas, poucos mas eficientes, para trabalhar no terreno.
Onde estão os técnicos? Não há. O sistema não tem. Não há dinheiro.
Por natureza, o cigano não gosta das nossas regras, aliás, quando as percebem, a primeira coisa que fazem é pensar na melhor forma de não as cumprir sem serem sancionados.
Por natureza, o cigano tem as suas regras, as suas leis. São muito próprias, são rigorosamente cumpridas.
Aquilo que para nós é falta de educação, para eles é normal.
Mudá-los e educá-los é o que todos nós gostaríamos. Torná-los mais parecidos a nós.
Se os tornarmos parecidos a nós, eles desaparecem. E esse é o desejo de tanta gente.
Eu acredito, e perdoem-me os executivos das escolas, que podemos educar na diferença. Mas é claro que a escola precisa de ajuda. A escola precisa de técnicos a trabalhar na integração. Infelizmente temos em Portugal uma escola muito mal tratada pelo Governo.
Não faz mal se tivermos uma turma só de ciganos, se o(a) professor(a) tiver a sensibilidade para trabalhar com eles, se também houver atividades em que esses meninos são incluidos com outros meninos lacorrilhos, se trabalharmos diariamente com os pais, se conseguirmos proporcionar um espaço lúdico-pedagógico para eles extra horário escolar, mesmo que tenhamos que estudar estudo do meio em cima de uma mesa de plástico de esplanada à porta deles no Bairro das Pedreiras, ou ensinar a subtração com o rosmaninho que nasce selvagem no campo.
Os resultados, nunca se verão de um dia para o outro. Mas vão acabar por acontecer.
É preciso vontade e interação entre entidades. Não são precisos muitos técnicos, mas os que estão têm que ser bons e com vontade de ferro, porque têm que ser capazes de fazer milagres. E em Beja há técnicos capazes de fazer milagres. Eu sei que há. Provavelmente o que pode não estar bem, é a comunicação e a interação entre entidades.
O problema é muito mais profundo do que distribuir ou concentrar os meninos em Santa Maria, agrupamento muito bem ministrado até agora (infelizmente), pela Prof.ª Domingas Velez, a quem tiro o chapéu. O problema, é o que fazer com eles. Os professores estão fartos deles, os funcionários já não os podem ver, os pais dos meninos querem é distância.
Parece-me um problema social.
É preciso um plano urgente de ação face a este problema. De várias entidades concertadas entre si, com uma equipa a trabalhar. Avaliar o trabalho feito e adaptar novos métodos.
Os ciganos têm que trabalhar. Têm que ser formados com as nossas regras, as nossas leis e os nossos principios, mas com respeito máximo pelo seu modo de vida.
Se para os ensinarmos a escrever temos que perceber melhor a realidade deles, então façamo-lo. Para isto é preciso vontade. É preciso haver quem queira desempenhar este papel, desembainhar a espada e travar esta luta. Não é uma luta contra os ciganos. Mas sim uma luta contra o verdadeiro problema.
Enquanto estiverem só a tratar das consequências, nunca agirão nas causas.”