Com uma crónica que vale a pena ler, pela sua acutilância, pelas verdades que não oculta, pela realidade que “destapa”.
Começo pelo fim. Diz Bruno Ferreira:
“E assim terminam 10 anos de colaboração com este que, pelas mãos do Paulo Barriga e da sua equipa, se tornou num órgão de referência no Alentejo, com especial enfoque no Baixo Alentejo, e em toda a sua diáspora. Sim, porque eu não confundirei, nunca, o Baixo Alentejo com o que quer que mais seja. Terei vincada em mim, enquanto respirar, essa identidade. Ensiná-la-ei aos meus filhos, partilhá-la-ei com os meus amigos. Sou Baixo Alentejano. Por mais Costas, Passos, Cavacos ou Sócrates que apareçam a tentar branquear a história, a identidade, a cultura desta região e das suas gentes.
Vou ter saudades deste namoro com o DA. Vou ter saudades de ler os sumarentos editoriais do Paulo. Vou ter saudades de conhecer as notícias, o contraditório, a procura das verdades, o jornalismo na sua verdadeira essência, ao virar de cada página. Nunca me foi dito, mas sempre me pareceu que este jornal partilhava das minhas (e eu das dele) convicções sobre o que foi, é e deve ser o Baixo Alentejo. Da mesma forma que denunciava a desfragmentação consistente de uma cidade milenar e, consequentemente, de toda a sua região. Talvez por isso, pela assunção dessa liberdade de pensamento, tudo ficará por aqui. Até um dia. Obrigado Paulo, pela confiança na minha pena. Continuarei a acompanhar-te por onde andares a pensar, a investigar, a escrever. Obrigado também aos leitores por estes dez anos. Até já.”
E na sua crónica, um diálogo:
“- Pai, onde é que tu nasceste?
– O Pai nasceu em Beja, filho.
– Em Beja nascem bebés, Pai?
– Quando o Pai nasceu, sim, filho, nasciam bebés em Beja.
– Foi em casa da avó?
– Não, foi no Hospital, amor.
– E havia Hospital em Beja?
– Pois havia. E chegou a ser um belo Hospital. Iam pessoas de todas as terras do Baixo Alentejo para serem tratadas, para irem ao senhor doutor, para terem filhos…
– O que é o Baixo Alentejo, Pai?
– Filho… o Baixo Alentejo foi a região em que o papá nasceu.
– Mas tu não és só Alentejano?
– Mais do que Alentejano o Pai é Baixo Alentejano. Era o nome que se dava antigamente à região de Beja. E o pai vai ser sempre Baixo Alentejano. Mesmo que agora tu já não aprendas isso na escola, amor.
– E porque é que já não existe esse Baixo Alentejo, nem o Hospital de Beja, e os bebés já não nascem em Beja, Pai?
– Filho… porque tem havido muitos Governos que…
– O que é que são Governos, Pai?
– O Governo é como se fosse o chefe; o chefe de Portugal.
– A sério? Ele é que manda em tudo em Portugal?
– Em quase tudo, sim, filho. Ele e mais uns quantos ajudantes. E esses senhores não gostam que Beja tenha um Hospital; que nasçam bebés em Beja; que exista o tal Baixo Alentejo, e tudo o que fica perto de Beja eles mandam fechar. Olha a estrada: quando vamos visitar a avó, a Beja, como é que é a estrada?
– Ena! Aquela estrada aos altos e baixos, que parece as ondas do mar, Pai? Até fico enjoado! É naquela estrada em que eu e o mano acordamos sempre com o carro todo a abanar, pois é, Pai?
– É essa sim, filho. Chama-se IP8, mas é um velho caminho, o Pai já lá passava quando tinha a tua idade e já essa estrada era velha, cheio de buracos, sem bermas… – É muito perigosa, pois é, Pai?
– É sim, filho. Por isso é que temos de ir devagarinho e chegamos sempre tão tarde a casa da avó.
– E se tu escrevesses uma carta ao chefe de Portugal? Para ele tratar bem de Beja? Eu gosto muito de ir a Beja, Pai.
– Ainda bem, amor. O Pai também gosta muito de estar em Beja, e é muito bom que tu, sendo lisboeta, também gostes de Beja. O Pai já escreveu essa carta ao chefe de Portugal, amor. A explicar que Beja, e as pessoas todas que lá vivem, e que vivem em todas as terras nessa região, que já são velhinhas…
– Como a avó, pois é? A avó precisa dum hospital porque já está velhinha…
– Sim, a avó e todas as pessoas. Foi o que o Pai disse ao chefe: Beja precisa de um hospital, de uma estrada, de um comboio, do aeroporto a funcionar…
– E o que é que o chefe disse, Pai? Vai fazer essas coisas? Se ele é chefe, é só ele dizer para fazerem essas coisas que são mesmo importantes para a avó e para todas as pessoas que vivem em Beja e no Alentejo de Baixo, pois é?
– Baixo Alentejo, amor. Era assim que se chamava. E que para o Pai irá chamar-se sempre.
– Sim, mas o chefe disse o quê à tua carta?
– Nada, filho… o chefe não disse nada, amor…Olha, traz ali o jornal ao Pai, trazes?
– Sim, Pai. Este? O Diário do Alentejo?
– Esse mesmo, meu amor. Andá cá sentar-te ao colo do Pai e vamos ler o jornal. “