Mai 22 2016

O general triunfará?

Publicado por as 12:00 em A minha cidade

rocha general

Escreve Rui Marreiros:

A (má) decisão foi (mal) tomada …
O general triunfará?

Em complemento do trabalho realizado esta semana pelo Diário do Alentejo, de excelente qualidade (créditos para Paulo Barriga e para a Jornalista Nélia Pedrosa) e que veio tentar colmatar a insanável lacuna de ausência de debate, aqui ficam alguns complementos aos contributos que dei para aquela reportagem e importa conhecer neste momento.
Fica igualmente o convite e o desfio para, quem ainda não o fez, se manifeste e apresente a sua opinião relativamente a esta matéria: pessoas individuais, instituições públicas ou privadas, órgãos dos partidos políticos de todos os quadrantes, coletividades, outras organizações de qualquer natureza, enfim, todos têm que ter uma palavra a dizer. Quem não o fizer agora, dificilmente gozará do direito à palavra no futuro!
Pode não contrariar a decisão que, aparentemente está tomada, mas deixará seguramente uma marca na história para que, pelo menos, coisas como esta não voltem a acontecer.
Ponto de ordem!
Importa, antes de mais, fazer um ponto de ordem na discussão e reafirmar que o maior, talvez inultrapassável erro político do atual Presidente da Câmara Municipal de Beja, João Rocha, foi ter pensado que a NOSSA cidade não merecia este debate e que bastaria a sua vontade para que o reservatório fosse demolido e removido da linha do horizonte. Com efeito, se a questão tivesse sido realmente debatida do ponto de vista técnico, mas sobretudo político, concordasse-se ou não com as conclusões que daí resultariam, a legitimação da decisão estaria minimamente assegurada.
Quem colocou este assunto na agenda, infelizmente pelos piores motivos, foi o atual executivo municipal que, ao escudar-se atrás da prepotência do seu Presidente, levou a que o tema esteja a ser amplamente contestado em vários setores da sociedade.
Antecedentes maus!

É público (há testemunhas disso) que João Rocha, numa reunião política que ocorreu dois meses depois das eleições terá afirmado que o reservatório teria que vir a baixo. Isto numa altura em que ele próprio desconhecia ainda quase todos os detalhes.
Antecedentes bons!
O que havia sim, de forma detalhada e quantificada era um projeto de recuperação do reservatório para que continuasse a sustentar o abastecimento de água à zona mais alta da cidade, sendo que simultaneamente ser-lhe-ia dada uma nova função enquanto miradouro não só para a cidade e para os campos que a envolvem, mas sobretudo para o Museu Vivo que pretendia musealizar todos os achados arqueológicos que ali se encontram de forma também integrada com o Centro de Arqueologia e Artes.
Factos!
De referir que esta função adicional apenas encareceria a obra em cerca de 10% relativamente ao seu valor total, devendo reforçar-se que a função de miradouro tem a sua relevância não só para a observação da cidade, mas também e principalmente do próprio museu vivo que, como vasta estrutura que seria, poderia ser melhor observada e interpretada de um ponto mais elevado, acima do solo, compreendendo e analisando melhor o seu desenvolvimento. Ainda à luz da remota possibilidade de existirem vestígios arqueológicos na base do reservatório, a possibilidade de terem sido diretamente afetados com a sua construção ou indiretamente perturbados com o peso que este exerce sob as camadas subjacentes é enorme, sendo apenas da área da futurologia a tese de que será ainda possível trazer à luz do dia vestígios porventura existentes naquele exato local.
A análise das possibilidades!
Parece-me que é hoje consensual que nunca se faria uma obra destas, de raiz, para ser exclusivamente um miradouro, embora uma vasta campanha de desinformação lançada para o efeito (energia que podia ter sido gasta na informação) tentasse fazer passar essa mensagem, é simplesmente ridículo, mas sim, houve quem o tentasse fazer.
Estabilizados neste ponto, há pelo menos duas alternativas que foram tidas em linha de conta. A primeira com vista à reabilitação, ao reforço da estrutura e à criação de resistência sísmica, complementada com um investimento, marginal relativamente ao custo total destinada a criar um ponto de interesse adicional para a cidade. Assim maximizava-se a intervenção para acrescentar valor à cidade e dar uma nova função a algo que permaneceria inerte na malha urbana, ganhando uma nova vida e uma nova função.
A segunda estaria apenas assente na sua demolição. Ficando depois claro que a demolição seria bem mais cara e envolveria maiores riscos que o requalificar, mantendo a sua função principal, tornando-o visitável, integrando-o no Centro de Arqueologia e Artes e colocando-o à disposição do Museu Vivo temos que: fica mais caro demolir e ficar sem nada do que intervir e ficar com tudo!
Outras questões relevantes!
Para além desta análise, por si só já esclarecedora, soma-se a necessidade da remoção das dezenas de toneladas de betão de um local de difícil acesso que poderá até comprometer a preservação dos próprios achados arqueológicos das zonas envolventes, um contrassenso, mais um! Muito pouco falada, foi também a questão do desequilíbrio de pressões que vai ocorrer naquela zona da rede de águas da cidade, na medida em que uma das funções do reservatório era a de funcionar como, aquilo a que se chama na gíria, “chaminé de equilíbrio” permitindo aliviar a pressão nas tubagens quando esta ocorre em excesso. Esta função perde-se agora, perdendo-se também a possibilidade de fornecer água por gravidade durante alguns períodos, passando o abastecimento a ser feito, em permanência, com recurso a pressão gerada artificialmente por bombagem com o natural aumento dos custos com energia, maior desgaste dos equipamentos, quebra de abastecimento em caso de falta de energia e maior número de roturas que resultarão desta alteração das condições de pressão da rede.

O que não foi feito como devia!
A alternativa segura para retirar o reservatório de funcionamento só se poderia processar depois da remodelação da rede de águas da zona alta da cidade que, à altura, iria ser a próxima fase de intervenção na remodelação da rede de águas da cidade e Beja, que vinha a ser levada a cabo de forma estrutura e foi entretanto interrompida e substituída por intervenções aleatórias e casuísticas realizadas segundo critérios, novamente desconhecidos.
Análise e ponderação!
Foi a ponderação deste conjunto de variáveis mais técnicas e funcionais que associadas a outras abordadas adiante e associadas ao valor patrimonial do depósito, conduziram à decisão de fazer o projeto, os estudos que lhe estão associados, contratar equipas de arquitetos e engenheiros, trabalhar com os valiosíssimos recurso humanos da EMAS de Beja e da CM de Beja (sim foram envolvidos e parte dos projetos forma realizadas internamente), preparar cadernos de encargos, processos de concurso, garantir financiamento, lançar o concurso da empreitada, escolher o vencedor e adjudicar a obra. Faltou apenas a consignação (última figura legal antes de iniciar os trabalhos).
Chegadas as eleições!
Chegadas as eleições, falou mais alto a vontade de levar por diante a obstinação inicial, ora embrulhada sob o manto da arqueologia, do estado de conservação, da suposta construção (virtual) de um templo romano, mas sempre sem ouvir ninguém (ao que parece nem do seu próprio partido).
Valor patrimonial!
Noutro prisma, para analisar o seu verdadeiro valor patrimonial teremos que estabilizar este conceito, assumindo uma definição de sentido lato, em que o seu verdadeiro valor é aquele que lhe é atribuído pelas as pessoas, pela memoria coletiva que resulta da sua presença ou inclusivamente pelo referencial de ligação a outras gerações cuja presença sempre se fez sentir.
Não tendo sequer comparação com a importância patrimonial (em sentido estrito) dos achados arqueológicos e do seu inestimável contributo para a descoberta daquilo que é a história antiga de Pax Julia, não deixa de ser também um património (em sentido lato) da memória coletiva dos agora habitantes de Beja que tão “feridos” ficaram com outras intervenções que apagaram, quase em definitivo, essa memoria coletiva e esses elos de ligação ao seu quotidiano e às suas vivencias passadas.
Também não será uma obra de elevado interesse arquitetónico digna de prémios internacionais, admito que não seja, mas nunca foi isso que esteve em discussão. Teve sim, a necessidade de o melhorar e evitar que continuasse a ter o aspeto de abandono a que foi votado durante décadas em que deu o seu corpo ao abastecimento de água á cidade, o que ocorreu, recorde-se até início do presente mês de maio de 2016. Com a nova roupagem que lhe seria conferida e a sua integração no Centro de Arqueologia e Artes e no Museu Vivo permitira seguramente fazer as delicias dos seus antigos admiradores e até ganhar novos adeptos de entre aqueles que o “miravam” pelo canto do olho.
Também não me parece que rivalizasse com o castelo, ou alguém gosta mais do seu castelo do que os Bejenses. Todos, os que são de cá, sabem bem fazer essa distinção e quando chegados a Beja e olhamos em frente, bem alto, há outro património que nos marca, a linha da cidade e as duas presenças que a dominam.
Acresce, para complementar, que o reservatório contem no seu interior uma escada de características arquitetónicas interessantes que poucos conhecem e que é constituído por três patamares visitáveis que conferem, cada um deles, vistas diferentes e únicas sobre a cidade, constitui um ponto de excelência para a sua observação e da sua zona envolvente.
Outra utilização que lhe seria conferida, residual é certo, mas muito simbólica, seria o facto de uma das salas do reservatório ir passar a ser a sede do Projeto “Heróis da Água” mais uma grande iniciativa a que este executivo tirou brilho e eficácia e que traria a dinâmica que estava implementada em toda comunidade escolar envolvida no projeto, contribuindo para uma maior fruição deste espaço e do Centro de Arqueologia.
Um fim triste para um ciclo triste!
Irá fechar-se, com a sua demolição, um ciclo que se iniciou com a alteração da Praça da República e do Jardim do Bacalhau e danificou, irremediavelmente, a memória coletiva das Bejenses e o seu património sentimental, contribuindo para a perda de símbolos e de uma identidade únicas.
Mais erros!
Para além da forma como foi tomada a decisão e dos seus verdadeiros contornos e motivos, a legitimidade, foi também ferida por uma certa sede de mudança gratuita, sem planeamento e sem estratégia. Como se não bastasse, fez crer que o reservatório estava fora de serviço desde há muito e tinha deixado de cumprir a sua função, o que é completamente falso, já que o corte da rede para que o reservatório saísse de serviço ocorreu apenas durante os primeiros dias deste mês causando de imediato problemas na rede de abastecimento de água da zona envolvente.
A demolição contraria uma estratégia pró-ativa de gerar valor para a cidade, apostada na recuperação e na melhoria, assenta sim numa postura obstinada de destruir, trazendo para a troca promessas pouco claras, sem objetivos concretos ou sem calendário definido.
Aparenta ser uma decisão tomada sem sentimento, sem ponderação dos seus efeitos e sem respeito pela história da cidade, no fundo uma decisão de alguém que não a compreende, que não a sente e que não está apostado em dar esse passo, muito pelo contrario, vemos um Presidente que se afasta e distancia dela, dos seus problemas e das suas gentes, de uma forma fria, distante, quase incompreensível da parte de quem devia pautar exatamente pelo contrário, pelo envolvimento, pela participação, pela mobilização sã e empenhada dos seus munícipes. Como contraponto à vontade coletiva que deveria ter sido potenciada, estimulada, ouvida tivemos a sua desvalorização marcada pela ausência de debate e de esclarecimento sobre algo que quer se queira quer não, está e vai continuar e a preencher o espaço deixado pela dúvida e pela indignação da ausência de informação.
A demolição encerra elevadíssimos riscos. Desde logo patrimoniais, porque trata-se de uma intervenção de engenharia altamente agressiva que obrigará a movimentações de toneladas de betão cujas movimentações de camiões, gruas e outros equipamentos pesados produzirão vibrações que só por si poderão ser danosas para os edifícios existentes nas redondezas, maioritariamente particulares. Mas também aqui, o tomar decisões de costas voltadas para as pessoas atingiu o seu auge já que hoje, dia 10 de maio, altura em que estou a escrever sobre este assunto não se sabe oficialmente qual o método de demolição ou a forma de remoção dos escombros, isto para não falar dos custos associados, de quem os vai pagar ou da sua forma de contratação. Este desrespeito pelas pessoas, pelos munícipes, estende-se também aos demais eleitos que as representam.
O futuro!
Finalmente, penso que aquilo que poderá ser relevante prende-se com a responsabilidade futura.
A responsabilidade, por não ter sido partilhada com ninguém recaia agora, todinha, sobre os ombros do executivo municipal e do seu Presidente.
Desde logo, a responsabilidade sobre o processo de desmantelamento e o risco de algo correr mal para as pessoas e bens que de alguma forma vão ter que conviver de perto com esta agressão.
Depois a responsabilidade sobre aquilo que poderá acontecer aos importantíssimos achados arqueológicos que nada garante que não sejam afetados.
Continuamos com a responsabilidade pelo atraso que poderá incutir na própria obra do CEA com o aumento de custos dai decorrentes ou da perda de financiamento para a globalidade da obra pelo não cumprimento dos prazos.
Como senão bastasse a responsabilidade de no final não se descobrir nada que afinal tivesse justificando tamanha desfaçatez.
Finalmente a responsabilidade de abandonar Beja à sua sorte deixando uma chaga em aberto no coração da cidade sem nada lhe dar em troca. No fundo a responsabilidade de tentar, com este ato, deixar a sua grande marcar.
Resta agora deixar a história seguir o seu curso, justa como quase sempre, e deixar que todos nós saibamos decidir sobre o que queremos para Beja e o que queremos para os nossos filhos!
Esperemos que não seja só isto…
A decisão está já ali, em 2017, algures em setembro, segundo se diz por aí…
Rui Marreiros, beja 21.maio.2016

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2 Resposta a “O general triunfará?”

  1. Ana Paula Palma diz:

    A asneira é maior do que eu inicialmente pensei.
    Jogam aqui interesses que interessava esclarecer .

  2. João Espinho diz:

    @ana – hoje, em conversa de rua, afirmei: Há aqui negócio escondido. O curioso é que ninguém se admirou.

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