Mai 10 2013
lembras-te?
foto: Milos Burkarhdt / Burki
Lembras-te?
Lembras-te dos acesos diálogos das nossas línguas e do mundo ser feito dos nossos lábios? Lembras-te?
E do fecho de correr da tenda de campismo a abrir os nossos corpos depois de termos fumado cigarros e o resto do sol que caía no mar como cinza.
E recordas-te de teres areia na pele e depois já não teres areia na pele porque eu já a tinha toda nos meus dentes? E de termos sal nas bocas – que estranho termos sal nas bocas se nadámos de boca fechada e lavámos os dentes antes de deitar.
E dos grilos que cantavam sem parar nos meus dedos. Lembras-te?
E de termos só uma almofada e da absoluta ausência de espaço entre nós e de não haver colchão e não nos doer nada de manhã e de querermos que a noite fosse um caracol? E de comermos as palavras um do outro mal elas apareciam na boca ainda verdes, ainda imperfeitas, e os beijos serem glossários a explicar a razão de termos frutos precoces entre dentes, de termos polpa nos lábios, de termos sumo de saliva no queixo? Éramos imaturos, quase apenas o caroço, e tínhamos pressa e fome de deixarmos a casca toda a nossos pés. E quando eu me despedia de ti não lavava os dentes para não te perder nessa noite.
Lembras-te?
Vítor Encarnação in Diário do Alentejo
11 de Maio de 2013 às 16:39
Isto está um bocado areado demais, o que é capaz de tornar a coisa um bocado desagradável. Digo eu…