Mar 20 2013
primavera
foto: Kerstin Pukall
-
Ela traz a Primavera toda no corpo.
É uma luminosa madrugada de Março que nos invade saborosamente.
É terra e adubo. Carne e fruto. Um campo arredondado que apetece percorrer à mão e sem descanso.
Ou um morango por apanhar, dizem os lábios gulosos dos homens.
Os cabelos são ervas perfumadas, ninho de dedos, escadas de subir aos céus.
Fios de prumo. Cordas de nos atarmos ao resto. Cabos de alpinista que desce.
E desço. Para beber a água dos olhos. – Porque os há que são poços sem fundo -.
E pintá-los de mar ou de limão ou de polpa de melancia até às sobrancelhas. E depois tomar banho na enseada das pupilas. E nadar por dentro de um túnel secreto que os olhos têm. – Já lá morreram marinheiros de palavras – .
E à beira deles, as faces são praias onde morrem insignificantes os beijinhos comuns, familiares e festivos. E no entanto é aqui que o encanto assenta. É aqui a espinha do sorriso, o suporte da magia. A rota da seda e das lágrimas.
O rosto é de uma Vénus e a pele que o envolve a Via Láctea dos meus dedos de ficção.
Os ouvidos são a foz das palavras. É para lá que elas caminham gulosas, como formigas com patinhas de veludo, levando geleia nos dorsos para oferecerem ao cérebro que as gosta de comer.
Os lábios são cerejas antes de tempo. A boca um cabaz para um piquenique de beijos. Os dentes gomos de laranjas doces. A língua o pão fresco. Que é como quem diz quente. E quando acende um cigarro, faz de conta que sou eu que me puxo fogo.
O pescoço é o caule que suporta esta flor de lis e de carne.
Ou o altar que sustenta esta fé no desejo.
Amarro duas cordas aos ombros dela, e faço um baloiço entre mim e o decote.
Deve ser em lugares destes que os rouxinóis repenicam o cante. E onde os olhos se deitam em almofadas de espanto.
Há um rio que corre entre os seios. Leva um barco.
Dentro do barco há um pescador de ilusões.
A barriga é já o mar alto e o umbigo o farol para eu me perder. Ou se regressarmos à terra, um campo todo, todo verde com uma papoila no meio.
As ancas vertem mel dos movimentos. São uma colmeia acesa de abelhas e asas doces guardando uma maçã.
Os braços são as hélices deste delírio e as mãos têm gelados de pêssego nas pontas dos dedos.
Desço pelas ervas. Escorrego pelos troncos das pernas e sinto medo. É este o caminho das serpentes. O pântano por debaixo dos nenúfares.
Vítor Encarnação
20 de Março de 2013 às 13:02
Ela traz a Primavera toda no corpo.
É uma luminosa madrugada de Março que nos invade saborosamente.
É terra e adubo. Carne e fruto. Um campo arredondado que apetece percorrer à mão e sem descanso.
Ou um morango por apanhar, dizem os lábios gulosos dos homens.
Os cabelos são ervas perfumadas, ninho de dedos, escadas de subir aos céus.
Fios de prumo. Cordas de nos atarmos ao resto. Cabos de alpinista que desce.
E desço. Para beber a água dos olhos. – Porque os há que são poços sem fundo -.
E pintá-los de mar ou de limão ou de polpa de melancia até às sobrancelhas. E depois tomar banho na enseada das pupilas. E nadar por dentro de um túnel secreto que os olhos têm. – Já lá morreram marinheiros de palavras – .
E à beira deles, as faces são praias onde morrem insignificantes os beijinhos comuns, familiares e festivos. E no entanto é aqui que o encanto assenta. É aqui a espinha do sorriso, o suporte da magia. A rota da seda e das lágrimas.
O rosto é de uma Vénus e a pele que o envolve a Via Láctea dos meus dedos de ficção.
Os ouvidos são a foz das palavras. É para lá que elas caminham gulosas, como formigas com patinhas de veludo, levando geleia nos dorsos para oferecerem ao cérebro que as gosta de comer.
Os lábios são cerejas antes de tempo. A boca um cabaz para um piquenique de beijos. Os dentes gomos de laranjas doces. A língua o pão fresco. Que é como quem diz quente. E quando acende um cigarro, faz de conta que sou eu que me puxo fogo.
O pescoço é o caule que suporta esta flor de lis e de carne.
Ou o altar que sustenta esta fé no desejo.
Amarro duas cordas aos ombros dela, e faço um baloiço entre mim e o decote.
Deve ser em lugares destes que os rouxinóis repenicam o cante. E onde os olhos se deitam em almofadas de espanto.
Há um rio que corre entre os seios. Leva um barco.
Dentro do barco há um pescador de ilusões.
A barriga é já o mar alto e o umbigo o farol para eu me perder. Ou se regressarmos à terra, um campo todo, todo verde com uma papoila no meio.
As ancas vertem mel dos movimentos. São uma colmeia acesa de abelhas e asas doces guardando uma maçã.
Os braços são as hélices deste delírio e as mãos têm gelados de pêssego nas pontas dos dedos.
Desço pelas ervas. Escorrego pelos troncos das pernas e sinto medo. É este o caminho das serpentes. O pântano por debaixo dos nenúfares.