Out 12 2010
Portugueses
Crónica publicada na edição de Setembro da revista “30 dias”
“Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!”
Fernando Pessoa
Sempre que escrevo a palavra “portugueses” ocorre-me ao pensamento a fórmula que os nossos políticos e dirigentes utilizam para que lhes prestemos atenção quando eles nos querem dizer algo que pensam que é importante para as nossas vidas. A entoação muda consoante o estatuto do orador: se for um estadista de carreira, o tom é seco e quase fúnebre. Já no caso de líderes partidários, a gritaria toma a dianteira e esgotam-se as artimanhas para captar as atenções dos portugueses. O “portugueses!” mais célebre de todos é, sem dúvidas, aquele que Ramalho Eanes empregava durante os seus discursos. A expressão sombria do rosto, a que se somava um discurso sem interjeições ou exclamações efusivas, fazia dos portugueses um povo ainda mais triste, pois eram tristes os discursos, os avisos, as análises sobre o estado da Nação, enfim, uma tristeza acumulada.
Depois chegou o tempo em que deixámos de ser portugueses e passámos a ser “portugueses e portuguesas”, numa clara premonição da perda de identidade ou, quiçá, do desaparecimento dos “portugueses” enquanto entidade. Uma idiotice, digo eu, esta moda de dividir os portugueses em géneros. Ouve-se “senhoras deputadas e senhores deputados”, “senhoras e senhores professores”, “senhoras doutoras, senhores doutores”, como se não fossem todos deputados, professores, doutores, numa palavra portugueses.
Porém, e como somos portugueses, não ligamos aos cerimoniais vocativos e estamo-nos nas tintas para esta forma inconsequente com que nos tratam. Há dias, num programa-debate de grande audiência, a apresentadora/moderadora alertava para o facto de “lá em casa, as espectadoras e os espectadores” estarem à espera de ser esclarecidos sobre determinado assunto.
Isto faz sentido?
Não faz.
E serve-nos de exemplo a forma como nós, portugueses, uma entidade reconhecida em quase todo o mundo, se comporta em sociedade.
Há gestos, expressões, atitudes, hábitos e comportamentos que são portugueses, caracteristicamente portugueses, tipicamente nossos. Há alguns, incultos, que ainda nos confundem com a vizinhança ou mesmo com o povo irmão do outro lado do oceano. São os que não percebem o que é ser português, que não alcançam a nossa mentalidade.
Quando lá fora, na Europa por exemplo, se pergunta a um português (emigrante) em que período do ano vem gozar férias à terra, a resposta recai sempre no mês de Agosto. Não por ser emigrante, mas porque é português. Cá dentro o panorama é o mesmo: os portugueses escolhem obsessivamente o mês de Agosto para ir apanhar ar noutras paisagens.
É verdade que é em Agosto que mais se nota que há portugueses e portugueses. Uns alugam apartamentos onde cabem, apertados, quatro portugueses, mas onde passam a caber, por via da nossa identidade, esses quatro mais outros quatro (entre primos e cunhados), o cão, o gato e o canário. Dorme-se em cooperativa no meio de melões e grades de cervejas. Outros vão para parques de campismo, onde só muda o panorama da casa de banho e do duche, que passam a ser partilhados por uma enorme comunidade de portugueses. Há também os que vão para hotéis e para essa coisa muito na moda – os resorts – com nomes cheios de pompa e estrelas. Mas também estes precisam de se sentir portugueses e fogem à noite, e aos magotes, para as passadeiras dos Sashas & Cª, onde se alegram em Summer Nights com um copo em plástico meio esvaziado de cerveja quente e sem espuma.
Escolhemos também os pinhais e eucaliptais para as magníficas, únicas e inconfundíveis sardinhadas, onde não pode faltar o garrafão de cinco litros ou, para darmos um ar mais moderno, essas embalagens com torneirinha, que vieram descaracterizar as mesas dos portugueses, mas que dão um jeitão na hora de jogar para o lixo, que não reciclamos ou que deixamos abandonado junto às cinzas aromatizadas pelas sardinhas.
Por fim temos o nosso bilhete de identidade – a mini – transversal a todas as camadas sociais, existente em todos os lares, bares e areais. Há muito que os portugueses destronaram o Galo de Barcelos como símbolo deste País, pois a cerveja “mini” é nossa, portuguesa. É o símbolo “tuga” por excelência. E o seu tamanho é feito à nossa dimensão.
Somos portugueses e temos muito orgulho nisso.
Nisso e nas nossas minis!
João Espinho, Setembro de 2010