Ago 10 2010

Crónicas na Praça – Julho 2010

Publicado por as 11:30 em Crónicas

Crónica publicada na edição de Julho da revista “30 dias

“Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.”

Miguel Torga

Da política
No momento em que estou a escrever esta crónica, há uma parte do país que está a banhos em merecidas férias, há uma outra parcela de portugueses que, estando de férias, não pode ir à praia mas, mesmo assim, ainda vai com a prole a um shopping alimentar os olhos. Há ainda, neste momento, quem desconheça o que seja gozar férias, pois o desemprego não lhe permite, sequer, desejar-se ou ouvir a expressão “bom fim-de-semana”.
Há, também, uma parcela de gente que se mantém, sistematicamente, de serviço: são os agentes políticos, são os que se projectam como ecos das emanações superiores, são aqueles que têm a política como obrigação.
E, para o bem e para o mal, este Verão está marcado pela política.

Um pequeno parêntesis: já gozei parte das minhas férias, cá dentro e lá fora, mas numa ocasião em que o país entrava em colapso devido a uma nova Aljubarrota, agora perdida sem aliados e num campo do tamanho de um estádio de futebol.
Foi preciso este inglório regresso a casa da selecção portuguesa para que a política voltasse à ordem do dia. Todos estávamos de alerta: terminada a farra do Mundial, a crise voltaria aos lares e bolsos dos portugueses.
Dizia eu que a política voltou à ordem do dia. Já não é só a crise, o PEC, as SCUT. Não são só as arribas da orla costeira, o IRS que sobe e os salários que descem.
Não! Este Verão está sim marcado pelo regresso da política, pura e dura, às agendas dos partidos, dos órgãos de comunicação, dos politólogos, dos analistas, dos dinossauros da coisa política.
Há muito afastada, já ninguém discutia política e as querelas ideológicas estavam afastadas da ordem de trabalhos.
Pela mão do PSD e de uma proposta de revisão constitucional, o povo político saiu à rua e desatou a dissertar sobre política.
Expressões como “golpe de estado” e “revolução constitucional” foram utilizadas para combater este regresso do debate político à ordem do dia, colocando do mesmo lado da trincheira o PS, o PCP, a Maçonaria, os sindicatos, Manuel Alegre e a extrema-esquerda, aliados a mais uns tantos que querem assumir a paternidade da CRP (Constituição da República Portuguesa). Nunca antes o país tinha dado pela existência de tantos constitucionalistas…
Para travar o “golpe de estado” já só falta aparecer Jorge Sampaio numa chaimite e declarar o estado de sítio.
A culpa é, dizem também, da inoportunidade do debate.
Compreende-se.
Para a “brigada anti-revolucionária” seria preferível que o PSD continuasse entretido com as comissões parlamentares de inquérito aos casos mediáticos envolvendo a figura do Primeiro-Ministro. E, mais importante, ser-lhes-ia muito mais desejável que Passos Coelho andasse a reboque da agenda de Cavaco Silva. A questão constitucional é inoportuna principalmente para o PS, que gostaria de remeter o assunto para a Primavera do próximo ano. Percebem-se as razões.
Mas, e isto deve ser realçado, ao PS não interessa discutir a reforma do sistema político. Ocupando a cadeira do poder desde 1995 (com um pequeno hiato entre 2003-2005), o Partido Socialista é o maior entrave às reformas que se exigem para o País. Agarrado a uma ideia caduca de Estado Social, ao PS não interessa discutir a forma como se financia esse tal Estado. O que lhe interessa, isso assim, é esbracejar e acenar com papões e fantasmas, ignorando o país real, não reconhecendo o estado para o qual nos arrastou. Para o PS e para Sócrates o sistema político é intocável, pelo que não deve ser discutido. O que interessa mesmo aos socialistas é o casamento gay e outras coisas que imaginam trazer a felicidade aos portugueses. O que os preocupa é que alguma coisa possa mudar.
E esta é a melhor altura para começar a mudar.
Com ou sem política, desejo boas férias a quem as possa gozar.

Share

Deixe Uma Resposta