Jun 20 2008

Ângulo inverso

Publicado por as 11:38 em Geral

Na edição de hoje do Correio Alentejo, na rubrica “Ângulo inverso”, assinada pelo Director daquele semanário:

A cidade e os blogues com “veia” germânica

    Há muitos anos que João Espinho anda metido na vida pública da cidade mas, ele próprio concordará, foi com o blogue “Praça da República” – www.pracadarepublicaembeja.net – que ganhou uma maior exposição pública. Atrás disso, as suas opiniões sobre a cidade onde nasceu e as políticas da Câmara ou, simplesmente, os seus desabafos mais intimistas, tornaram-no uma figura de primeira linha no quotidiano da velha Pax Julia.


Para trás ficam 51 anos de uma vida que nasceu na Rua dos Açores, onde cresceu feliz e nada indiferente ao que o rodeava. A presença alemã na Base Aérea de Beja apanhou-o na época de todas as descobertas e o primeiro médico bávaro a prestar serviço naquela unidade alojou-se em casa dos seus pais. “Eu fui aprendendo alemão enquanto ele aprendia o português.”
A cultura alemã marcou-o muito e nunca mais saiu da sua vida. Em Beja, a primeira leva de tropas da antiga RFA, no início dos anos 70, foi “uma lufada de ar fresco” que entrou na cidade. Contudo, depois de um interregno entre 74 e 79, as coisas não voltaram a ser iguais: “Quando regressam em força, já não havia entrosamento nem contacto entre famílias. Viviam numa comunidade quase fechada”.
Nessa altura, Espinho já frequentava o Instituto Goethe, em Lisboa. Para trás tinham ficado os dias do Liceu Diogo de Gouveia e as lutas estudantis “contra o PCP”, em pleno PREC. “Fomos classificados como anarquistas e libertários, mas nós até agradecíamos”, recorda.
Passada a tropa em Mafra, abre concurso para um tradutor-correspondente na Força Aérea em Beja. Assim se dá início a um percurso profissional que dura até hoje. Pelo meio, João Espinho regista passagens pela Alemanha em várias ocasiões, uma delas durante um largo período: entre 1995 e 2000, na Embaixada portuguesa em Bona, como secretário do adido de Defesa.
O regresso a Portugal consuma-se na transição dos séculos. Depois de tanto tempo fora, vem encontrar uma cidade que “não conseguiu dar o salto depois da saída dos alemães”. E que, por outro lado, ainda hoje “tem feridas que não sararam” do Verão Quente de 1975.
“Com a derrota dos sonhos e das utopias que o PCP queria levar a cabo, criou-se um fosso e feridas que não foram saradas nesta cidade. As pessoas olham-se com desconfiança. É uma sociedade descrente e desconfiante. Cada um vive na sua quinta e na sua capela, sem capacidade de olhar para outras ideias, vindas com boa-fé de outros pontos”.
Socialista “durante 15 dias ou um mês”, nos alvores da democracia, Espinho inscreveu-se no PSD apenas em 1979, “inspirado” por Sá Carneiro e pela Aliança Democrática (AD). Depois disso, só Cavaco Silva lhe mereceu inteiro apoio, mas apenas até que os seus governos “não foram quintas mal frequentadas, por pessoas que não estavam ali para servir o país mas para se servirem a eles próprios”. Hoje, está ao lado de Pedro Passos Coelho porque, segundo diz, vê nele o futuro e “é pena que no PSD não se tenha querido apostar já no futuro”.
“Doente pela obra” de António Lobo Antunes, é um leitor compulsivo dos seus livros. “Tenho que ler a primeira vez, tentar perceber as vozes que surgem durante todo o romance e só na segunda leitura é que consigo ter a leitura efectiva”. Foi isto que sucedeu com Hei-de amar uma pedra e Os Cus de Judas, os seus preferidos entre todos os outros. Pelo meio, tem na fotografia “uma paixão” que não quer pôr como actividade principal da sua vida. Além disso, é um amante de jazz e gostava de ir um dia ouvir Wagner ao Festival de Bayreuth. “É um dos sonhos da minha vida que já não vou conseguir cumprir!”
O que consegue, quase diariamente, é um ror de visitas ao blogue “Praça da República”, que mantém há cinco anos porque gosta “de escrever, de ler e de ter intervenção política”. Empurrado pelo Programa Polis de Beja e pelos silêncios em torno das diferentes intervenções na cidade, o blogue ganhou força com “uma crise no seio do PSD, que pôs a distrital contra a concelhia de Beja”. “Foi o adubo para fazer crescer o blogue”, recorda.
Hoje, a “Praça” é uma forma de intervenção “sem estar sujeito a caracteres ou a tempo. Apenas a bom senso!” Por isso, ou talvez não, João Espinho revela que a maior fonte de leitura está no edifício da “autarquia bejense” onde, assegura, “há um volume grande de visitas”.
Visivelmente confortável no papel de anfitrião, avisa que, “quanto mais gente estiver contra [os blogues] mais força eles têm”. E acentua que os blogues são “um exercício de liberdade” onde pode expor, “às horas que quiser e como quiser, aquilo que pensa”. Mesmo que isso implique um certo ‘voyeurismo’? “Não escondo as minhas paixões e descontentamentos, mas não se peça que aquilo que escrevo não tenha também uma parte de criatividade”.

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5 Resposta a “Ângulo inverso”

  1. charlie diz:

    Falou e disse!

  2. Mário Nogueira diz:

    Interessante, gostei de ler! 🙂

  3. PreDatado diz:

    Só não sabia que gostavas dos Cus (de Judas, claro).

  4. The_Shark diz:

    …não há coincidências…, já por algumas vezes tropeçara no nome, João Espinho, com ele regressaram memórias de tempos passados, já lá vão 34 anos, puxa parece que foi ontem; João Espinho? Seria mesmo o mano do Luís e do Zé?
    Desta vez a curiosidade, e a disponibilidade temporal permitiram-me seguir o link, e não é que era verdade o Janeca!
    Caí no Praça da Republica, parece que existe desde há anos, mas se bem que a disponibilidade hoje seja alguma, não vái dar para ir rever a produção…!
    Achei engraçado o “Fomos classificados como anarquistas e libertários, mas nós até agradecíamos”, mas não mais que engraçado, quiçá alguém que tenha partilhado os dias quentes de 74 / 75 / 76 se relembre dos pretenciosos Anarquistas, afinal não mais que um punhado de Betos que fumavam uns charros e tinham gira-discos, não esquecendo de compôr o quadro com os best sellers do momento, Marx, Lenine, Nietzsche, enquanto desenhavam uns A pelas paredes…
    Perdi-lhes o rasto, o tempo disso se encarregou, afinal todos nós nos dissolvemos na poeira dos 34 anos entretanto passados, achei piada, vou ver arranjar tempo para ler a prosa do Praça da Republica, talvez… porque não, fica registado aqui, é tempo do Jardim do Bacalhau!:)

  5. João Espinho diz:

    @the shark – pois sou eu mesmo. Mas estranho que, estando em Beja, me tenha perdido o rasto. É que nestes 34 anos, tenho andado sempre por aqui (umas vezes longe, mas sempre por aqui).

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