Fev 08 2008

Beja – Uma cidade sem gente

Publicado por as 17:39 em Crónicas

Crónica publicada no Correio Alentejo de 8/2/2008

Escrevo esta crónica em pleno período carnavalesco.
Um período de oficial tolerância de ponto e pontes de lazer, onde os foliões bejenses poucas alternativas têm que não seja sair da cidade e procurar divertimento fora de portas. Beja já teve a sua Batalha das Flores, Beja já teve afamados bailes de máscaras, Beja já teve Carnaval.
O Carnaval é, também, mais um espelho daquilo em que se transformou a nossa cidade.
Uma cidade que se diz capital de Distrito, que se quer um pólo centralizador de desenvolvimento, que se quer uma verdadeira cidade.
Porém, todos os caminhos estão a seguir percurso inverso.

O marasmo a que se chegou reflecte-se em vários sectores, como por exemplo no comércio tradicional, por culpa dos comerciantes, das grandes superfícies, das lojas de ocasião made in china, mas também pela cegueira de quem governa os destinos do concelho, incapaz de ser um motor de desenvolvimento, incapaz de criar incentivos à fixação das pessoas nesta região, inaptos para evitar a lenta mas efectiva evasão de quem aqui já não vê futuro.
Também na cultura e no desporto, onde um Clube com pergaminhos equaciona já a sua extinção, talvez por culpa também dos seus dirigentes, mas seguramente porque os cidadãos viraram as costas à sua cidade e aos seus símbolos. As actividades culturais, cingidas a manifestos panfletários, não atraem os já poucos resistentes, vendo-se a Biblioteca Municipal a perder ímpeto – não se admirem quando lhe for passada a certidão de agonia – o Pax Júlia está longe de ser a propagandeada grande sala de espectáculos do Sul, as galerias de exposições definham com horários inadequados, devidos a uma desajustada gestão de recursos humanos nos referidos espaços.
O aeroporto de Beja é, também ele, mais um reflexo do que se passa por aqui. Se recordarmos tudo o que já se anunciou para aquela infra-estrutura aeroportuária, percebemos que o aeroporto está a navegar em águas turvas, que vão desde o pouco apoiado turismo passando pela inconcebível plataforma logística oriunda da China, que serviria exclusivamente os interesses chineses na Europa, águas turvas que passam também pela fixação de uma oficina de manutenção com a sigla da TAP. Tudo projectos anunciados como tal e que têm na presidência da Câmara o seu maior padrinho, apesar de se perceber que tudo não passa de anúncios avulsos, sem nexo e sem pertencerem a uma estratégia inteligente para o desenvolvimento da região.
À medida que o tempo vai passando, vamos percebendo porque desapareceram os corsos carnavalescos e tantas outras coisas que faziam de Beja uma cidade desejada, para viver, para aqui passar uns confortáveis dias de lazer, para aqui vir assistir a este ou aquele evento. Com um Parque de Feiras e Exposições com condições excepcionais, aquela infra-estrutura sobrevive mercê da vontade e empenho daqueles que não se renderam aos encantos fatais da autarquia, e é por isso que a Ovibeja é, hoje, o único acontecimento que projecta a cidade e a região, que traz aqui milhares e milhares de pessoas que, depois, só aqui regressarão para a Feira do ano seguinte.
Beja e a região têm potencialidades. Mas continuarão a servir de pouco enquanto não se perceber que este executivo camarário não está interessado em trazer empresas – e consequentemente mais pessoas – que aqui se fixem, que aqui criem a sua riqueza e aqui deixem parte dos seus rendimentos. Não basta ao executivo realizar concertos de fim de ano anunciados exclusivamente dentro das muralhas da urbe, não chega ao executivo bejense a constante produção de propaganda de projectos, quando se sabe que os mesmos não são mais do que sound bytes para encher noticiários e manter entretidos os eleitores.
O Carnaval de Beja não existe, morreu.
Ainda iremos a tempo de evitar que a cidade lhe siga o caminho?
João Espinho

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6 Resposta a “Beja – Uma cidade sem gente”

  1. manuel de jesus diz:

    Falta massa encefálica nesta cidade !

    Alguns politicos desta cidade limitam-se apenas
    a jogos sujos de bastidores de forma a garantirem
    o seu bem estar; a causa pública que se foda, não é !…

    É gente sem escrúpulos, capazes de cometerem a maiores chapeladas
    e golpadas quantas forem necessárias.

    Existe nesta cidade uma força politica que é eximia neste tipo de jogos,
    aliás nota-se perfeitamente porque já começaram, e as eleições autárquicas
    apenas são em 2009. Advinhem que força politica é?

  2. João Espinho diz:

    @mj – “Falta massa encefálica nesta cidade !” – não concordo. De resto, inteiramente de acordo.

  3. Moialmas diz:

    Falta o Bejaholywood, que juntava Saleiro, Nicolau Breyner e Francisco Santos, assim o futuro de Beja só tem uma cor: Negro

  4. RCataluna diz:

    Subscrevo inteiramente!

    Abraço!

  5. João Gaspar diz:

    “O Carnaval de Beja não existe, morreu.” Isto parece-me uma boa notícia. 😉

    Mas o definhamento até à morte do Carnaval é uma excelente metáfora dos outros sectores e está aqui um pedaço de crónica que sim senhor.
    Pode não faltar massa encefálica à cidade, mas falta (ou pelo menos anda escondida) mais massa crítica.

    O problema da Cultura parece-me não ser só um problema da cidade e, não desculpando a pobreza que é a gestão cultural da Câmara, não creio que tenha solução estritamente autárquica. É um problema comum a quase todas as cidades do país que não Lisboa e Porto. É bastante agravado no interior e cidades mais pequenas, mas mesmo em Coimbra, supostamente uma referência a este nível e efémera Capital Nacional da Cultura, a programação cultural é tristíssima.

  6. charlie diz:

    O Carnaval não existe porque os Bejenses não querem.
    Apenas isso: não querem, nem tem interesse nela.
    Pode dizer-se que morreu porque o espírito morreu.
    -Finalmente após séculos! Dirão os arautos da Fé.
    Porque é uma reminiscência de festas pagãs apenas (mal) tolerada, incorporada e absorvida pela religião dominante que tudo fez ao longo dos séculos para que ela se sumisse e fosse esquecida.
    Embora seja recorrente em todas as culturas, este “nosso” carnaval ocidental – pois ainda há outros em outras alturas do ano nos paises nórdicos- pode ser ligado directamente às festas ao Deus Baco e ao Deus Saturno. (Bacanais e Saturnais)
    Com o imperador Constantino, a religião Católica, antes perseguida, passou a religião de Estado.
    A Igreja arrogou-se sempre o direito de impor os seus padrões éticos e morais (?), que não permitem uma série de coisas na Quaresma, como a realização desses bacanais e saturnias.
    Mas as tradições populares, que tem durado todos estes milénios reforçando-se – veja-se o Brasil- pelo entrosamento com outras culturas nomeadamente Africanas, tem muita força e o Imperador Constantino deixou ficar das festas pagãs anteriores, o último dia antes do início da Quaresma. O carnaval é realizado justamente neste período e remonta as características das festas pagãs.
    As forças da Natureza de que o Homem aprendeu os rítmos e os pontos de viragem, foram desde as auroras dos tempos, desses primórdios da consciência, a mola real de todos os festejos.
    Devo dizer, como antigo folião que chego a sentir o deprimente que é ver nos nossos desfiles carnavalescos de formato atípico Brasileiro, a cara de frete que a maior parte dos (e das) marchantes apresentam, o sorriso plástico dos artistas da moda convidados, o choro de aborrecimento das crianças, e o bocejo dos adultos que esperam já ansiosamente a passagem do último carro alegórico.
    Este não é o nosso Carnaval.
    Não nos diz nada, excepto no pormenor de apreciar entre outros que o serão menos, os belos corpos femininos expostos ao meu e aos outros olhares gulosos. Vejo então de repente a Deusa Afrodite a remexer-se no seu canto do Olimpo e num sorriso formular ao ouvido o convite para recuperar o verdadeiro festejo dos sentidos que jaz sob o túmulo de plástico, confétis e aborrecimento….

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