Jan 11 2008

Fascismo e antifascistas

Publicado por as 11:31 em Crónicas

Crónica publicada no Correio Alentejo de 11/1/2008

1 – Instalou-se na sociedade portuguesa, principalmente na boca de figuras públicas e analistas políticos, a moda de intitular de fascista tudo e mais alguma coisa.
O principal culpado parece ser o engenheiro Sócrates que, por ter sido eleito democraticamente, decidiu por em prática algumas políticas que, dizem, fazem lembrar o fascismo.
Esta moda – com contornos de doença – atingiu até quem nós pensávamos estar imune a patetices conjunturais.

2 – Cá por Beja a moda já é antiga: dar os nomes de ilustres desconhecidos às ruas da cidade, a que se acrescenta o rótulo de “antifascista”, tornando assim a nossa toponímia num imenso Aljube.

1 – Instalou-se na sociedade portuguesa, principalmente na boca de figuras públicas e analistas políticos, a moda de intitular de fascista tudo e mais alguma coisa.
O principal culpado parece ser o engenheiro Sócrates que, por ter sido eleito democraticamente, decidiu por em prática algumas políticas que, dizem, fazem lembrar o fascismo.
Esta moda – com contornos de doença – atingiu até quem nós pensávamos estar imune a patetices conjunturais.
“Não sei se José Sócrates é fascista”, escrevia no Público, há dias, uma das mentes brilhantes do nosso País. António Barreto embarcou, assim, na moda dos fascismos. Seguramente que este disparate lhe vem de herança dos seus tempos de militante comunista, única forma que encontrei para tentar compreender os seus mais recentes excessos.
Outra ex-comunista, entretanto vestida de anti-comunista, a deputada Zita Seabra, anda para aí a dizer que “a Democracia e a Liberdade estão em perigo”. Apetece relembrar à douta senhora que em perigo estiveram a Liberdade e a Democracia quando ela militava no PCP. Mas essas são outras histórias, que lhe deixaram no sangue tiques de ver fantasmas em cada esquina.
Outros ilustres colunistas repetem-se nos alertas dos perigos fascistas, ora porque a ASAE aplica a Lei, feita por democratas legisladores, ora porque uma lei que defende os direitos dos não-fumadores se transformou numa Lei contra os fumadores.
É verdade que a era Sócrates não vai deixar saudades: o desemprego aumentou, as condições de vida dos portugueses pioraram, a vida está cada vez mais difícil para uma empobrecida classe média, o funcionalismo público transformou-se no mal maior, a saúde e a educação são números, algarismos incompreensíveis, o deserto tomou conta do interior, e mesmo assim fecham-se serviços essenciais, os vencimentos e abonos dos altos dirigentes continuam a ser um dos maiores sugadouros dos orçamentos da nação e os propagandeados “Simplex”, “Novas Oportunidades” e “Flexisegurança” são um estratagema que tem servido para promoção da imagem dos nossos governantes e para encher os bolsos das agências de comunicação e marketing. Não duvidamos que é por estarmos neste estado que um ministro vem anunciar que “não serão pedidos mais sacrifícios aos portugueses” e que, por adormecimento, inércia ou outra droga qualquer, nada aconteça a esse ministro. Tudo isto é verdade, e ao optimismo do 1º Ministro contrapõe-se a realidade de um País pobre. Mas nada disto pode servir para rotular de fascistas os ministros e de fascismo a política do governo. É que, não duvidem, a geração nascida depois do 25 de Abril não vai compreender estes epítetos e sentir-se-á, cada vez mais, afastada da política, dos políticos e de quem escreve sobre política. Para além, obviamente, da desconfiança que cria na generalidade das pessoas.
Haja bom senso, é o mínimo que se pede.

2 – Cá por Beja a moda já é antiga: dar os nomes de ilustres desconhecidos às ruas da cidade, a que se acrescenta o rótulo de “antifascista”, tornando assim a nossa toponímia num imenso Aljube. Compreende-se que se deseje perpetuar a memória deste ou daquele cidadão, por se ter distinguido na sua profissão, na sua arte, na sua cultura, nos seus feitos históricos, no desempenho de funções de Estado, por actos de bravura e heroicidade, etc… Porém, distinguir alguém por ter sido antifascista, é uma enorme injustiça. Para muitos antifascistas, principalmente. Anote-se a quantidade de poetas, escritores e homens e mulheres das Letras, professores, militares, médicos e políticos que têm o seu nome perpetuado em ruas, praças e avenidas, com a simples recordatória de “escritor”, “poeta”, “médico”, etc…, sem que se lhes faça a justiça de também os eternizar como antifascistas. Que dizer da “Rua Miguel Torga – escritor e antifascista”? Seria justo, penso eu.
Porém, na minha terra, os antifascistas que têm nome nas ruas, e é isso que a autarquia nos quer transmitir, nada mais fizeram na vida. Não se sabe se foram operários, sindicalistas, trabalhadores rurais, escritores, advogados, médicos ou se se notabilizaram em qualquer área da vida pública. Sabe-se que foram antifascistas. Uns estiveram presos. Outros não. Alguns foram vítimas da polícia política. Na sua maioria comunistas, militantes e funcionários do PCP. Justamente, não se lhes chama “democratas”, não fosse alguém dizer que, isso sim, seria uma tremenda injustiça para os inúmeros democratas que não querem saber de antifascismos de cariz comunista. Até porque a História tem revelado bastos episódios de comunismos de tez fascista.
Haja, pois, bom senso na atribuição de nomes às ruas da nossa cidade.

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14 Resposta a “Fascismo e antifascistas”

  1. Delfos diz:

    Para já não falar em José Saramago, que foi “democraticamente” escolhido para dar nome a nossa Biblioteca Municipal, esse antifascista adorador de Fidel Castro (até se ter arrependido) e de outras criaturas do mesmo calibre.

  2. João Gaspar diz:

    goste-se ou não do que escreve (e independentemente do pendor comunista de muitos dos livros), o saramago é o mais conceituado (diferente de melhor, atenção) escritor português, pelo que faz todo o sentido dar o nome a uma biblioteca.

  3. João Espinho diz:

    @jg – “é o mais conceituado escritor português” – falta dizer, vivo! E duvido que seja o mais conceituado.

  4. João Gaspar diz:

    claro, dos vivos. bom reparo.

    por “mais conceituado” queria dizer o mais reconhecido, mas podemos tirar o epíteto de O mais (até porque nem é dos meus favoritos). mas é um dos mais, ísso sem dúvida. e esteja em que lugar do top estiver, aquilo que ele é enquanto escritor chega perfeitamente para lhe atribuirem o nome à biblioteca. era esse o meu ponto: apesar da coincidir no comunismo com a câmara, não me parece favor nenhum darem-lhe a placa com o nome.

    só por curiosidade e porque a memória me atraiçoa, mas a mudança de nome da biblioteca até só aconteceu depois do nobel, não foi?

  5. zig diz:

    1º fascista, 2º antifascista. Boa comparação.

    Essa do fascista tem uma história engraçada comigo. Em 83, na condição de alemão ingénuo (que continuo a ser nalgumas áreas…) ouvia essa palavra fascista tantas e tantas vezes que perguntei a um colega meu, português mas que falava alemão, o quê é que era isso! Bem, o pobre do homem fez-me uma palestra que durou mais do que uma hora, e no fim fiquei a entender nada!

  6. hf diz:

    Muito embora discorde firmemente do alargamento absurdo do significado de fascista, abusivamente aplicado a tudo o que seja determinação, voluntarismo, e do estreitamento da aplicação de apodo de anti-fascista a comunistas e seus “compgnons de route”, pergunto a zig, que não conseguiu entender o que quer dizer fascista: e se fosse nazi, perceberia?

  7. Charlie diz:

    Bom Zig….
    Se não entendestes nada, ou és muito totó, ou o teu amigo é que era.
    Como eu sei, porque te conheço bem, que não és nada disso, deveria então ser esse dito cujo amigo.
    Mas ser fascista é uma postura, uma filosofia, uma forma de estar no mundo perante os nossos semelhantes, e tu que és Alemão saberás muito bem das correntes filosóficas que estiveram na base do fascismo moderno (pois já houve inúmeras formas de organização social de teor semelhante antes na História, – olá se houve)

    Mas voltando ao que interessa: Enjoa de facto esta canonização de personalidades pelo simples facto de terem sido antifascistas. Como se o ser-se antifascista fosse o selo que imortalizasse uma alma pelo feito duma obra valorosa.
    Qualquer crápula, auto-intitulado antifascista, adquire assim de imediato um estatuto de elevação moral e mãos de Midas.
    Não se leia daqui que esteja a chamar crápula aos antifascista até porque a minha matriz é de esquerda, mas conheço muitos crápulas de esquerda, como os conheço de direita.
    Não me causa especial incómodo tanta placa a dizer antifascista.
    Apenas me enoja este passar á frente de outros valores, outros olhares e outros pensares- (quiçá igualmente de esquerda por que não, mas também há gente de grande valor que tem outra matriz ideológica) apenas pelo facto de se chamarem anti-isso.
    É redutor, tristemente redutor.
    o fascísmo sendo por princípio imobilista, já que se arroga de perfeição, encontra paradoxalmente nesta atitude da nossas entidades publicas uma estranha forma de perpetuação na continuidade. Passe a redundância da expressão mas não há nada mais contínuo e monótono que a perfeita sensação de inutilidade duma coisa perfeitamente perfeita.

  8. Delfos diz:

    Desculpe. Sr. José Gaspar, mas a Câmara Municipal de Beja perguntou a alguém, por exemplo em Assembleia Municipal, se concordava com a alteração do nome da Biblioteca ou pura e simplesmente alterou o nome a um importante equipamento da cidade, um local que é de todos nós, sem qualquer tipo de consideração por opiniões alheias? Isto da democracia é uma chatice para certas pessoas, não é?

  9. Delfos diz:

    No comentário anterior, deve-se ler João Gaspar e não José Gaspar. Peço desculpa pelo erro.

  10. João Gaspar diz:

    Desconheço as reuniões de Assembleia Municipal à data (assim como desconheço as de agora – excepto o que o João Espinho vai transmitindo aqui), mas deduzo pelo comentário que a CM não tenha pedido opinião a ninguém para alterar o nome à Biblioteca. Ainda assim, e correndo o risco de me repetir:

    – o gosto pessoal pode ser discutível, mas os méritos do Saramago a nível literário (e é de uma Biblioteca que se trata, não de outro equipamento) são pouco questionáveis.
    – é ser injusto para o Saramago reconhecê-lo apenas como anti-fascista; era este o meu principal ponto, uma vez que o artigo do João Espinho se refere a alguns como unicamente anti-fascistas e o Delfos nomeia o Saramago. Foi isso que me pareceu injusto e a razão do meu primeiro comentário.
    – se a proposta não foi levada a AM – e dou de boa fé que não o tenha sido – é por palermice do então executivo da Câmara, até porque a proposta é facilmente suportável. Palermice igual seria cair no erro de a rejeitar apenas com base na ideologia anti-fascista do Saramago.

    [José ainda vá que não vá, mas tire lá o Sr., se faz favor.]

  11. Delfos diz:

    Caro João Gaspar,

    Estou plenamente de acordo com o seu raciocínio. Mas diga-me lá sinceramente, acha que se tivesse sido, por exemplo, o António Lobo Antunes a ganhar o Nobel, a Câmara de Beja alteraria o nome da Biblioteca nas mesmas condições que o fez para o Saramago? Foi ou não porque o Saramago é da cor deles que foram tão expeditos? Isto obviamente sem pôr em causa o valor literário de Saramago ou o facto de ele merecer ou não ter o seu nome associado a qualquer biblioteca nacional.

  12. João Espinho diz:

    @delfos – tenho a certeza que José Saramago dá nome à BM de Beja por ser comunista.
    Não sei como foi o processo de atribuição do nome.

  13. João Gaspar diz:

    Obviamente não vou ser eu a negar o corporativismo comunista nestas coisas. E sim, o Saramago dá o nome à biblioteca por ser escritor comunista, quando devia tê-lo feito apenas por ser escritor.

    Provavelmente o Lobo Antunes não ganhava a placa na parede, infelizmente. Mas apesar de as razões não serem apenas literárias, e consequentemente apenas as melhores, e o processo de decisão ter sido muito provavelmente mal conduzido, a decisão parece-me boa (ou pelo menos razoável).

    E agora parece que estamos todos de acordo, o que é uma chatice ainda maior do que a democracia.

  14. Filipe C diz:

    Vou entrando de fininho…

    Mas que bela era a Biblioteca Municipal de Beja, um exemplo de modernidade para todo o país. Invejável corropio de gentes de todas as idades, ideologias e classes.
    Noticia em jornais, revistas e Tv´s.
    Verdadeiramente idílica, mostrava ao país que afinal a sul do Tejo não era só areia e camelos.

    Mas, e tem de haver sempre um mas, mudaram o nome da Biblioteca Municipal de Beja para o do camarada. Até aqui a coisa marchava, mas maus augúrios se vislumbravam já, a coisa era polémica.

    Vai daí e pimba muda-se o nome e o pobre do edifício até aí brilhante começa a deixar entrar água pelo tecto, rebentam os canos, entortam-se as paredes, uma desgraça, obras para cá obras para lá.

    E dizem coincidência???? Em Lazarote dizem “Yo em brujas no creo, pero que las hay, hay”

    Vamos lá a ver se a moda não pega.

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