Dez 07 2007
O Olhar de… Jorge Barnabé
foto: joão espinho
Fugimos com o olhar ao tempo parado que nos rodeia. Fingimos a ignorância de quem não tem de se preocupar. Contornamos as paredes que se arruínam gastas pela ausência de um abraço. Bastaria um abraço. Bastaria uma conversa demorada, sentados nos bancos improvisados. Seriam suficientes uns olhares mais atentos. Uma porta escancarada convida-nos a entrar no escuro de uma casa abandonada. O vermelho sangue das barras que repelem os animais de sangue frio desfaz-se na putrefacção dos dias que demoram. As manhãs são iguais às tardes e as noites são diferentes apenas porque as paredes morrem no silêncio dos camponeses. Dia após dia, noite após noite a casa aguarda um olhar diferente. Alguém que nela repare. Alguém que se detenha na amargura do tempo parado que a condenou à resignação. Um novo olhar pode dar-lhe vida. Realçar-lhe as cores.
Mantém a fronte varrida à espera que algo aconteça. Distribui os bancos improvisados estrategicamente. Mesmo que neles ninguém se queira sentar. Aguarda de porta aberta uma visita. Alguém que queira partilhar o cheiro embriagante das pipas de vinho, ou quem ouse partilhar uma taça de branco enquanto as vozes ecoam na casa vazia. Aguarda. Resiste na fragilidade do tempo parado. Agarra-se à luz do dia que ilumina a sua face rugosa e envelhecida. Bastaria um abraço, ou uma conversa demorada. Um novo olhar chega e fixa-se nas suas cores. Prende-se demorado na verticalidade da sua fachada. Regista para a eternidade um rosto que se definha. Sabe agora que não a esquecerão. Pelo menos alguém não a esquecerá. Há quem tenha reparado em si. No exacto momento em que se despede do passado.
Jorge Barnabé
7 de Dezembro de 2007 às 9:35
Ainda não te tinha dito, mas estes “olhares de…” são um espanto.
Excelente ideia a tua. Respostas ao desafio deliciosas.
7 de Dezembro de 2007 às 14:48
Eu gostei muito. E é raro dizer bem, como é sabido. E porque gosto quase tanto de dar boas ideias como gosto de dar pontapés nas más, porque não pensa o editor deste blog em aproveitar estes desafios para um pequeno espectáculo multimédia-performativo: agrupar um bom punhado destes exercícios (se forem neste género de registo. “contar uma história”), e num espaço mais intimista (tipo café, restaurante ou bar com as condições mínimas) projectar cada foto enquanto alguém declama o texto respectivo acompanhado à viola ou ao piano.
7 de Dezembro de 2007 às 15:49
@amrevez – quando a Carta Cultural estiver pronta, veremos se essa actividade se enquadra na mesma. E depois pede-se um subsídio para financiar, no mínimo, os copos que se consumirem.
8 de Dezembro de 2007 às 11:13
Estas fotos e estes textos, libertos que estão de palavrões, ordinarices e explicitações ideológicas comprometedoras, certamente colherão junto do sr. Murteira, que cederá o espaço da cafetaria do Pax Julia, o equipamento de som e projecção e mais uns trocados para os copos. Experimenta propor.
E volto a sublinhar a qualidade deste texto do Jorge Barnabé. Não conhecia a sua prosa poética e, de facto, surpreendeu-me.
8 de Dezembro de 2007 às 17:38
Também foi uma muito boa surpresa!
8 de Dezembro de 2007 às 20:11
Quanto à qualidade da foto e do texto nada a acrescentar aos elogios acima.
Agora, de um ponto de vista mais prático e terra-a-terra é que quer a fotografia quer o texto traduzem fiel e cruamente a realidade actual do Alentejo e particularmente do distrito de Beja. E, que ninguém se iluda, aquela realidade não se altera por si só com projectos “milagrosos” como aeroportos ou outros. Sem um investimento forte nas pessoas e na sua real qualidade de vida não há desenvolvimento ou infraestruturas que retirem esta região do estado a que chegou; daqui a muito pouco tempo bem podem escrever que se VENDE, se ALUGA ou que se … OFERECE que não haverá PESSOAS interessadas.