“O Partido afirmava que a Oceânia nunca estivera aliada à Eurásia. Ele, Winston Smith, sabia que a Oceânia estivera aliada à Eurásia, havia pouco mais de quatro anos. Mas onde existia esse saber? Apenas na sua consciência, que de um ou outro modo deveria em breve ser aniquilada. E se toda a gente aceitasse a mentira que o Partido impunha – se todos os documentos apresentassem a mesma versão -, então a mentira passaria à História e tornar-se-ia verdade. «Quem controla o passado», dizia a palavra de ordem do Partido, «controla o futuro; quem controla o presente controla o passado.»”
Sinceramente, não vejo o problema. Este tipo de medidas não seria necessária se todos os que publicam na internet seguissem um qualquer código, nem que fosse “apenas” o do bom senso. Tal, infelizmente, não acontece. Logo, aceito perfeitamente que se criem mecanismos para proteger os restantes cidadãos contra indivíduos, muitas das vezes cobertos pelo anonimato, que se entretêm a disparar opiniões (nem sempre devidamente fundamentadas) em todas as direcções. Além disso, só os “pseudo” jornalistas serão visados; leia-se no artigo:
“Em rigor, essas competências apenas se aplicam se, nos sítios de comunicação electrónica, forem verificados os seguintes pressupostos “Conteúdos sujeitos a tratamento editorial e organizados como um todo coerente” “.
A liberdade de expressão é um bem a defender, sem dúvida, mas existem limites, nomeadamente, como diz o artigo, se “o mesmo viola direitos, liberdades e garantias previstos na lei geral”.
Resta saber como será aplicada esta vigilância. Se estiver de acordo com a Lei, completamente de acordo.
Estive a ler a notícia e, de acordo com o conteúdo de alguns comentários, parece que existe aqui um grande equívoco.
É que deliberação do Conselho Regulador da ERC procura exactamente proteger os cidadãos e instituições visados por sitios institucionais que violem direitos, liberdades e garantias, através da garantia do “direito de resposta”.
Vejamos o seguinte exemplo:
A Câmara Municipal de Beja tinha um sitio (editado e gerido por responsáveis autárquicos) onde incluia conteúdos opinativos. Imagine-se que neste sítio público e institucional, um funcionário da autarquia, num texto da sua autoria, me chamava mentiroso, desinformador, ignorante, manipulador, etc, entre outras acusações e insinuações. Ora se eu me sentisse injuriado e ofendido na minha honra e consideração, para além das acções judiciais que tenho ao meu dispôr, eu poderia querer também exercer o “direito de resposta” nesse sítio público e institucional, e, desta forma, apresentar a minha versão e defender-me.
Estamos a falar de sítios com responsabilidade de “comunicação pública” (jornais electrónicos, sitios de municípios), e não de sitios ou blogues individuais, onde não se observa o “direito de resposta” e onde o visado ou “come e cala”, ou vai para tribunal, ou faz comentários nesse ou noutros blogues, ou cria um blog onde responde.
E estamos a falar de conteúdos que configuram crimes, e não de “opiniões” desfavoráveis, críticas, ou até “infundadas” a respeito de pessoas e instituições. Eu tenho direito a ter uma opinião infundada a respeito de alguém, tal como alguém pode ter uma opinião infundada a meu respeito e registá-la. As “opiniões infundadas” só desautorizam e desqualificam quem as profere. Imagine-se que alguém me chama num espaço público (numa rádio ou jornal): mentiroso, desinformador, ignorante, manipulador, etc. Ora onde muitos podem ver aqui ofensas e injúrias passíveis de procedimento criminal, eu vejo depreciações, acusações grosseiras ou qualificações deselegantes, que me podem aborrecer ou não, que considero infundadas ou não, mas que respeito como exercício de liberdade de expressão e direito à crítica, e que a nossa legislação deve proteger. Tal como a legislação deve proteger, para quem é capaz disso, a sátira, a ironia, o sarcasmo, a caricatura. Nem sempre concordamos com o que dizem de nós e sobre nós, e quantas vezes achamos o que nos dizem injusto, despropositado e inventado para nos diminuir, denegrir ou distorcer o que dizemos e fazemos. Mas darmos a possibilidade de discordarem de nós e que se manifestarem contra nós, é indissociável do direito que exigimos a podermos discordar e nos manifestarmos contra alguém.
O conceito de “Conteúdos sujeitos a tratamento editorial e organizados como um todo coerente”, bem como de “órgão de comunicação pública”, é vago e sujeito a interpretações.
Deixo ainda uma questão no ar:
Haverá ainda alguma relação entre a presente notícia e isto…?
@pontapé na lógica
Concordo que os conceitos são vagos e que devem ser densificados de modo a torná-los o mais unívocos possível.
Mas, pelo que percebi, o problema incide em assegurar, nos casos em que se justifique, o “direito de resposta”. Ora o “direito de resposta”, quando justificado, não ofende a liberdade de expressão e pensamento do emissor inicial, nem a condiciona. Cria apenas um espaço que permite o confronto de versões, o que aproveita a um juízo mais informado da parte dos leitores.
As notícias que sugeres nos links mostram outra coisa: ingerência abusiva e controlo de conteúdos à margem das garantias de direitos fundamentais, e uma forma de pressão e constrangimento à liberdade de expressão. Mas há muitas formas de pressionar e intimidar quem usa da liberdade da palavra! Basta ter dinheiro (ou a rectaguarda de uma instituição) para processar a torto e a direito, ou ter poder e fazer sentir junto dos protegidos que devem vir à superfície pôr na ordem quem “mija fora do penico”. Espero que a estes instrumentos de força pela “força”, não se acrescente força legal que legitime, pela legalidade, a amputação ou o condicionamento da palavra, já que a consciência, como sabemos, é inviolável.
15 de Novembro de 2007 às 17:50
“O Partido afirmava que a Oceânia nunca estivera aliada à Eurásia. Ele, Winston Smith, sabia que a Oceânia estivera aliada à Eurásia, havia pouco mais de quatro anos. Mas onde existia esse saber? Apenas na sua consciência, que de um ou outro modo deveria em breve ser aniquilada. E se toda a gente aceitasse a mentira que o Partido impunha – se todos os documentos apresentassem a mesma versão -, então a mentira passaria à História e tornar-se-ia verdade. «Quem controla o passado», dizia a palavra de ordem do Partido, «controla o futuro; quem controla o presente controla o passado.»”
1984, George Orwell (1948)
15 de Novembro de 2007 às 19:21
CENSURA!!!!
Que triste ainda se ter vergonha de dizer certas palavras.
15 de Novembro de 2007 às 19:27
Tempos problemáticos, aqueles se nos avizinham; não?
15 de Novembro de 2007 às 19:43
olha olha olha… Até parece que querem acabar com o direito à liberdade de expressão…
15 de Novembro de 2007 às 23:02
@maria – censura? ainda não!
16 de Novembro de 2007 às 8:42
Sinceramente, não vejo o problema. Este tipo de medidas não seria necessária se todos os que publicam na internet seguissem um qualquer código, nem que fosse “apenas” o do bom senso. Tal, infelizmente, não acontece. Logo, aceito perfeitamente que se criem mecanismos para proteger os restantes cidadãos contra indivíduos, muitas das vezes cobertos pelo anonimato, que se entretêm a disparar opiniões (nem sempre devidamente fundamentadas) em todas as direcções. Além disso, só os “pseudo” jornalistas serão visados; leia-se no artigo:
“Em rigor, essas competências apenas se aplicam se, nos sítios de comunicação electrónica, forem verificados os seguintes pressupostos “Conteúdos sujeitos a tratamento editorial e organizados como um todo coerente” “.
A liberdade de expressão é um bem a defender, sem dúvida, mas existem limites, nomeadamente, como diz o artigo, se “o mesmo viola direitos, liberdades e garantias previstos na lei geral”.
Resta saber como será aplicada esta vigilância. Se estiver de acordo com a Lei, completamente de acordo.
16 de Novembro de 2007 às 14:07
Estive a ler a notícia e, de acordo com o conteúdo de alguns comentários, parece que existe aqui um grande equívoco.
É que deliberação do Conselho Regulador da ERC procura exactamente proteger os cidadãos e instituições visados por sitios institucionais que violem direitos, liberdades e garantias, através da garantia do “direito de resposta”.
Vejamos o seguinte exemplo:
A Câmara Municipal de Beja tinha um sitio (editado e gerido por responsáveis autárquicos) onde incluia conteúdos opinativos. Imagine-se que neste sítio público e institucional, um funcionário da autarquia, num texto da sua autoria, me chamava mentiroso, desinformador, ignorante, manipulador, etc, entre outras acusações e insinuações. Ora se eu me sentisse injuriado e ofendido na minha honra e consideração, para além das acções judiciais que tenho ao meu dispôr, eu poderia querer também exercer o “direito de resposta” nesse sítio público e institucional, e, desta forma, apresentar a minha versão e defender-me.
Estamos a falar de sítios com responsabilidade de “comunicação pública” (jornais electrónicos, sitios de municípios), e não de sitios ou blogues individuais, onde não se observa o “direito de resposta” e onde o visado ou “come e cala”, ou vai para tribunal, ou faz comentários nesse ou noutros blogues, ou cria um blog onde responde.
E estamos a falar de conteúdos que configuram crimes, e não de “opiniões” desfavoráveis, críticas, ou até “infundadas” a respeito de pessoas e instituições. Eu tenho direito a ter uma opinião infundada a respeito de alguém, tal como alguém pode ter uma opinião infundada a meu respeito e registá-la. As “opiniões infundadas” só desautorizam e desqualificam quem as profere. Imagine-se que alguém me chama num espaço público (numa rádio ou jornal): mentiroso, desinformador, ignorante, manipulador, etc. Ora onde muitos podem ver aqui ofensas e injúrias passíveis de procedimento criminal, eu vejo depreciações, acusações grosseiras ou qualificações deselegantes, que me podem aborrecer ou não, que considero infundadas ou não, mas que respeito como exercício de liberdade de expressão e direito à crítica, e que a nossa legislação deve proteger. Tal como a legislação deve proteger, para quem é capaz disso, a sátira, a ironia, o sarcasmo, a caricatura. Nem sempre concordamos com o que dizem de nós e sobre nós, e quantas vezes achamos o que nos dizem injusto, despropositado e inventado para nos diminuir, denegrir ou distorcer o que dizemos e fazemos. Mas darmos a possibilidade de discordarem de nós e que se manifestarem contra nós, é indissociável do direito que exigimos a podermos discordar e nos manifestarmos contra alguém.
16 de Novembro de 2007 às 15:26
@AMRevez
O conceito de “Conteúdos sujeitos a tratamento editorial e organizados como um todo coerente”, bem como de “órgão de comunicação pública”, é vago e sujeito a interpretações.
Deixo ainda uma questão no ar:
Haverá ainda alguma relação entre a presente notícia e isto…?
http://www.portugaldiario.iol.pt/noticia.php?id=880160&div_id=291
http://acabportugal.blogspot.com/
16 de Novembro de 2007 às 19:04
@pontapé na lógica
Concordo que os conceitos são vagos e que devem ser densificados de modo a torná-los o mais unívocos possível.
Mas, pelo que percebi, o problema incide em assegurar, nos casos em que se justifique, o “direito de resposta”. Ora o “direito de resposta”, quando justificado, não ofende a liberdade de expressão e pensamento do emissor inicial, nem a condiciona. Cria apenas um espaço que permite o confronto de versões, o que aproveita a um juízo mais informado da parte dos leitores.
As notícias que sugeres nos links mostram outra coisa: ingerência abusiva e controlo de conteúdos à margem das garantias de direitos fundamentais, e uma forma de pressão e constrangimento à liberdade de expressão. Mas há muitas formas de pressionar e intimidar quem usa da liberdade da palavra! Basta ter dinheiro (ou a rectaguarda de uma instituição) para processar a torto e a direito, ou ter poder e fazer sentir junto dos protegidos que devem vir à superfície pôr na ordem quem “mija fora do penico”. Espero que a estes instrumentos de força pela “força”, não se acrescente força legal que legitime, pela legalidade, a amputação ou o condicionamento da palavra, já que a consciência, como sabemos, é inviolável.