Abr 30 2007
COMEMORAR ABRIL
(crónica publicada no Correio Alentejo – 27/Abril/2007)
No momento em que escrevo esta crónica deverão estar a soar, por todos os recantos do nosso Alentejo, os habituais estalidos do foguetório de artifício com que muitas autarquias e associações celebram anualmente o dia 25 de Abril. Alguns cartazes anunciam a festa para as 00H00, enaltecendo assim os feitos do novo dia, outras preferem assinalar as 24H00 da véspera, festejando desta forma o fim da “longa noite negra da ditadura”. Ao fogo de artifício juntam-se os “Vivas” à Revolução, a que se associam discursos inflamados vitoriando as “conquistas de Abril”, a Democracia e todas as outras coisas boas que a data nos trouxe. Não faltam, também, as palavras de ordem, algumas de pouco sentido e nulo senso, apregoadas à mistura com os tradicionais ataques aos rostos dos governos da nação que, coisas da democracia, foram metidos a ocupar as cadeiras do poder precisamente por que vivemos em liberdade e com a liberdade de escolher quem nos governa. Nesta semi-contradição, que até se compreende, misturam-se sentimentos antagónicos, de amor e ódio, de vida e morte. O ponto alto das oratórias, e que costuma ser a cereja em cima do bolo, é enunciar o que se prometeu e não se fez, o que se devia ter feito e já não se vai fazer, isto é, enumeram-se os itens que permitem depois rematar com um “falta cumprir Abril”.
Não sei se a grande maioria dos portugueses ainda sente como seu este fervor das locuções comicieiras ou se, pelo contrário, prefere festejar a data de forma mais simbólica, com um cravo na lapela ou na jarra lá de casa, ou até mesmo sentado à volta de uma mesa com um grupo de amigos e onde não faltará, para além dos cravos, outros símbolos menos revolucionários.
Comemora-se também a data com discursos institucionais, sendo a Assembleia da República o palco escolhido pelos agentes políticos para dizerem de sua justiça, para, com pompa e circunstância, desenrolarem epístolas impregnadas de adjectivos e muitos advérbios. Termos como Igualdade, Justiça e Liberdade fazem parte, invariavelmente, das prelecções dos representantes dos partidos e do Presidente da República. Para além dos deputados – os representantes do Povo – e de umas galerias compostas por personalidades populares mas que de povo pouco têm, estão também as TV’s e os jornais, aquelas transmitindo a gala em directo, estes transcrevendo aquilo que lhes pareceu o essencial das oratórias, sendo habitual haver umas estranhas interpretações – análises – às supostas entrelinhas do discurso presidencial, que apelidam de “avisos” e de outras coisas que julgam importantes para o equilíbrio institucional.
Não me recordo de nenhuma sessão solene onde se tenha dito alguma coisa de importante para o País ou para os portugueses. Tenho também a certeza que a maior parte destes ignora o que ali se passa, respondendo assim com a sua indiferença à vacuidade das prédicas.
Tornou-se, pois, a comemoração anual do 25 de Abril num ror de coisas de importância escassa ou nula. É, para a maioria, um dia feriado que se goza em múltiplas actividades, poucas ou nenhumas relacionadas com a data.
Nós, os que amadurecemos em pleno período revolucionário, poderemos ainda explicar às proles o valor da Democracia e a importância da Liberdade. Explicar que os nossos adversários na política não são os nossos inimigos, como os que povoam os jogos da era moderna e que tanto atraem os nossos jovens. Demonstrar que vale mais a pena defender a liberdade de expressão do que amordaçar as nossas ideias ou tentar calar a dos outros. Tentar fazer compreender que nem todos os que proclamam a Democracia são seus amigos, usando-se dela para, logo que possível, a diminuir ou mesmo aniquilar.
Em suma, podemos transmitir que vale a pena a Liberdade e lutar por ela, e que foi essa mesma Liberdade que o 25 de Abril nos trouxe em 1974 e me dá a possibilidade de aqui estar a escrever o que penso. Que nos trouxe a Democracia onde, em Liberdade, posso escolher quem quero que me governe e que devo respeitar quem escolha de maneira diferente.
Se soubermos, tão só, transmitir aos nossos descendentes estes valores, podemos então dizer que se cumpriu o essencial de Abril!
30 de Abril de 2007 às 13:38
Texto pobrezinho e cheio de equívocos:
Para V. Exa a democracia é apenas “escolher quem quer que o governe”??? É por estas e por outras que falta, de facto, cumprir Abril!
Em primeiro lugar, não escolhe quem V. Exa quer, mas sim o que escolhem os partidos. Você limita-se a ratificar pelo voto a escolha daqueles.
Em segundo lugar, V. Exa não escolhe em liberdade, escolhe nos limites dos contrangimentos que se impõem aos que não têm possibilidades financeiras para se fazerem ouvir, e nos limites da demagogia e propaganda dos que são financiados “por fora” para protegerem certos interesses.
Em terceiro lugar, o que o 25 de Abril quis inaugurar foi uma democracia onde o “poder popular” (entenda-se democracia participativa) se sobrepusesse ao poder das cúpulas partidárias, e onde o poder do povo não se esgotasse na delegação formal do poder a representantes escolhidos por aparelhos partidários.
Este Abril está por cumprir. O Abril pervertido e rasgado, (talvez seja o seu), da restauração das grandes fortunas, do lucro fácil, do espezinhamento dos direitos sociais, da democracia em forma de campanhas eleitorais sensacionalistas e de partidos corruptos, esse Abril sim, está quase plenamente cumprido. Até que se erga outro Abril e o derrube.
30 de Abril de 2007 às 15:53
@extremo – quando não se lê o que está escrito e se pensa ter lido o que não se escreveu o resultado só podia ser esse: falar nas suas utopias como se elas estivessem nos antípodas do que eu possa pensar. Essas teias de aranha no intelecto estão a necessitar um refrescamento. É que, contrariando o que de si esperava, a lucidez não prima no seu discurso. Mas também quem é que liga a isso quando aquilo que queremos mesmo é estar a falar sozinhos… (não vá alguém detectar a asneira)?
30 de Abril de 2007 às 15:56
Em França ainda se comemora a revolução republicana, mais de 200 anos depois, com muito orgulho festa e foguetes.
Nos EUA, apesar de terem passado mais de 200 anos, a independência é o feriado mais festejado pelos Estado Unidenses.
Em Portugal, tivemos uma revolução quase sem sangue , sem vinganças e muito bela, da qual deveríamos ter muito orgulho.
Todos os anos, quando os foguetes rebentam no ar, podemos dizer aos nosso filhos porque é que fazemos a festa, e isso é a melhor forma de lembrar Abril.
30 de Abril de 2007 às 16:22
Pôr em causa o feriado e a forma de festejar o 25 de Abril, é sinal de pobreza de espírito democrático.
A incapacidade de valorizar o 25 de Abril e respectivos festejos, só pode vir de pessoas não gostam das conotações de esquerda, a que esse dia está associado.
Numa tentativa de desvalorizar o papel da esquerda na história de Portugal.
Pessoas imparciais, ás direitas. Que se esquecem de referir outros feriados com certeza de suma importância para os Portugueses, tais como:
O 15 de Agosto, dia da Assunção de Nossa Senhora, em que os Portugueses, como povo extremamente devoto que é, se desloca em massa para as igrejas para celebrar tão católico dia, deixando as praias e os shopings vazios.
O 8 de Dezembro, dia da Imaculada Conceição, Padroeira de Portugal, em que as igrejas se enchem de fervorosos católicos, que agradecem assim esse feriado para que na sua esmagadora maioria possam romar em ordas venerar mais um ilustre ícone católico.
Exemplos de feriados certamente mais importantes que o 25 do A.
30 de Abril de 2007 às 16:27
@darthlion – o 25A não é propriedade de um grupo exclusivo. É isso também que é preciso clarificar. E fiz a minha homenagem ao 25A, num evento público, honrando quem nos permitiu há 33 anos que ali estivéssemos a falar, calcule-se, sobre blogues. Não recebo lições de Democracia da boca de ninguém e nem me manifesto a mando de seja quem for. Repito: a comemorar assim o 25A, daqui a alguns anos (menos do que aqueles que você pensa) a nossa juventude irá comemorar o 25A como nós comemoramos o 1º de Dezembro.
30 de Abril de 2007 às 16:33
@extremo
O Abril pervertido e rasgado a que refere, comemora-se (por uns poucos) a 25 de Novembro.
E como sabemos já houve quem insinuasse que se celebrasse na assembleia da Republica.
Será um novo feriado nacional em formação ?
Sempre era mais um dia para descansar, eles já são tantos feriados sem sentido.
30 de Abril de 2007 às 16:45
@darth – e para evitar que o 25A seja um feriado igual a tantos outros, é urgente que se repense a sua comemoração. Foguetes? Comícios? Não, obrigado!
30 de Abril de 2007 às 16:50
@nikonman
Tenho 33 anos, a mesma idade do 25A, e sei dar valor a esse feriado, talvez porque tenha crescido numa família de esquerda que passou fome, e sabe bem o valor do 25 do A.
A minha avó foi ceifeira e ela sabem bem o que foi trabalhar de sol a sol, a receber o que o patrão achava por bem pagar (ou seja, nada)
Ter de agradecer pela miséria que recebia, que não dava para alimentar os seus filhos, depois de ter trabalhado como escrava para um fascista asqueroso,(agora liberal democrata).
A mesma sorte não tiveram os filhos de Abril que cresceram em famílias que não deram valor a Abril, e deixaram que o sistema de educação lhes transmitisse esses valores. coisa que nós sabemos que não fez.
Quanto ao 1º Dezembro.
Foi o feriado bastardo do regime de Salazar, que sempre nutriu admiração pela monarquia, e que ainda tinha na memória o caos em que o país mergulhara depois dessa revolução.
É pois natural que após uma ditadura de 48 anos, tal feriado tenha perdido a importância que teve. ainda por cima com a concorrência de um feriado como o 25 do A.
30 de Abril de 2007 às 16:58
@Nikonman
Foguetes, sem duvida, não vejo porque não.
Como já disse, já passaram dois séculos da Revolução Francesa e cinco Repúblicas, ainda hoje se lançam foguetes, na que é a maior festa Nacional dos Franceses.
Quanto aos comícios:
Cada um faz os comícios que quer, desde que respeite a lei da 3ª Republica, seja eles da esquerda , Direita do Centro , ao lado , o que se quiser.
E se não quiser não faz comício.
São direitos democráticos que o 25 do A nos deu.
A não ser que tenha algum problema com os comícios dos outros.
30 de Abril de 2007 às 18:22
@darthlion – não tenha ideias preconcebidas relativamente ao meu posicionamento. Há o hábito de dividir o mundo em esquerda e direita. Em bons e maus. Como eu sou do PSD devo ser dos maus. Deverá perceber que essa forma de pensar está gasta e já deu os frutos que tinha a dar. O facto de você ser descendente de trabalhadores rurais não faz de si um democrata ou um anti-fascista, assim como as minhas filhas não estarão do lado do “mal” por serem filhas de quem são.
Os foguetes de Abril, e os comícios a ele associados, não são uma forma de esclarecimento nem de perpetuar uma comemoração. Em França comemora-se uma Revolução que mudou o Mundo. Nos EUA comemora-se a Independência e a Democracia mais antiga que conhecemos. Não quer certamente comparar os nossos 33 anos de História em Democracia com os eventos que refere, pois não?
Só mais uma coisa: não serão certamente os filhos de Abril que ocultarão às proles o significado da data; mas serão certamente aqueles que persistem em propagar dogmas nesses comícios abrileiros que afastarão os jovens quer das comemorações quer do espírito de Abril. A cegueira é inimiga do bom senso, caro darthlion!
30 de Abril de 2007 às 18:31
Excelente texto, os meus parabéns.
Chegou, de facto, a hora de transmitir os valores do 25 de Abril aos mais novos que dão a democracia como um dado adquirido.
Comícios e foguetes são apenas para “inglês” ver, o que seria necessário era ensinar a história recente de Portugal nas escolas como deve de ser! Eu vejo isso na minha filha, que até gosta de história, mas quando a pergunto do porquê do 25 de Abril recebo apenas o silêncio como resposta….
30 de Abril de 2007 às 22:13
@Nikonman
Respeito opiniões de todos.
Houve com certeza muita gente, que quis mudar o regime por dentro, e que se queimou com a revolução.
Da mesma forma que muitos houve que sob a capa da luta antifascista cometeram atrocidades.
Muitos também houve, que sendo democratas, optaram por formas diferentes de luta, mais formais e discretas, por não quererem misturar com os comunistas. o PSD está cheio deles, e tenho muito respeito por eles, e por todos os que tentaram mudar o regime para uma democracia.
agora os foguetes (outra vez)
acabar com as festas do 25 de Abril é transformar o 25 de Abril em mais um feriado entre muitos, tal como o 1º de dezembro.
No final cada um com a sua opinião.
Leva lá a Bicicleta que eu fico com as rodas.
30 de Abril de 2007 às 22:18
@darth – eu não disse para se acabarem com os festejos. Aliás, até sou favorável a que os festejos sejam mesmo populares e que englobem toda a população. Mas foguetes e comícios, desculpa lá, é muito curto.
1 de Maio de 2007 às 1:10
Esta crónica escrita por Ti está excelente, eu entendi as tuas palavras e concordo com elas.