Fev 27 2007
Negócio da China
(crónica publicada no Correio Alentejo – 23/Fevereiro/2007)
O título desta crónica é uma expressão idiomática a que, normalmente, associamos a ideia de um negócio que dá muito dinheiro, isto é, um negócio rentável. Também é costume dizer-se que um bom negócio é aquele que é rentável para as partes envolvidas, não ficando nenhuma delas prejudicada com o referido negócio.
Lendo o protocolo que foi recentemente assinado entre a autarquia bejense (CMB), o Núcleo Empresaria da Região de Beja (NERBE), a Empresa para o Desenvolvimento do Aeroporto de Beja (EDAB) e a Associação da Indústria e do Comércio dos Chineses em Portugal (AICC), para além de várias dúvidas, uma questão colocou-se-me de imediato: para quem virá a ser um “negócio da China” ou, em bom português, quem é que vai ganhar com este protocolo?
Não duvido das boas intenções de todas as partes signatárias. Diria mesmo que alguns dos intervenientes estão cheios de uma excessiva boa vontade, quase nas fronteiras da ingenuidade. Mas, por que se trata de pessoas adultas e de pés assentes no chão, seguramente que saberão cuidar dos seus interesses e do objectivo primário deste protocolo: ajudar a região de Beja a desenvolver-se e, desta forma, trazer mais riqueza para o Alentejo e para Portugal.
Vejamos, porém, de onde me vêm as dúvidas.
A primeira é o facto de uma Câmara Municipal, como a de Beja, algemada a uma ideologia anti-capitalista e anti-globalização, proclamar-se como motor de um “negócio” que tem contornos capitalistas e será, a realizar-se, mais um grão no imenso mundo da globalização da economia mundial.
A China comunista, que hoje está na Organização do Comércio Mundial, suspendeu a ideologia e está agora interessada num mercado europeu que tem as portas pouco oleadas e se custam a abrir, precisa de encontrar soluções que lhe permitam a expansão e necessita de portas – plataformas – que sirvam de trampolim para alcançar os grandes mercados europeus. A Câmara Municipal de Beja entendeu ser a nossa cidade um dos pontos possíveis de apoio a essa estratégia e está a desenvolver mecanismos para que assim venha a ser. Chamando a si também a responsabilidade do relacionamento institucional, a CMB transforma-se em Empresa, ficando por saber que papel desempenhará na gestão da futura “plataforma logística”. Sabe-se que a CMB nunca teve vocação empresarial, entregando a empresas municipalizadas a gestão de diversos serviços que a si lhe competem, pelo que se aguardam desenvolvimentos nesta matéria.
Também a referência, por parte do presidente da autarquia, a que Beja se transforme, por via da presença chinesa, num “Silicon Valley” europeu, me parece despropositada e reveladora de um certo desconhecimento do que é Silicon Valley e de que o mesmo nada tem a ver com o actual espírito empresarial chinês.
Uma outra dúvida surge-me com a presença da EDAB neste protocolo. Se é verdade que a empresa do aeroporto se deve empenhar na divulgação do projecto, criando condições para a viabilidade do mesmo, já me parece pouco “transparente” que a mesma empresa assine um protocolo onde se diz que o Aeroporto deve “atrair investimento externo principalmente por via da instalação no Parque Empresarial adstrito de empresas oriundas da China e do Extremo Oriente”. A EDAB fica assim presa de uma parceria, encerrando algumas portas a outro tipo de cooperações, cometendo mesmo o erro de reconhecer esta parceria como “a única estrutura operativa de representação da cidade de Beja (…) no processo de relacionamento com entidades e instituições da República Popular da China”. Para o efeito a EDAB vai afectar uma área aproximada de 50 hectares. Pergunta-se: a que preço? Questiono ainda, que razões terá a EDAB para “empenhar” metade dos seus terrenos para uma parceria deste tipo. Como será no futuro, se as boas intenções da “plataforma logística” não passarem disso mesmo?
Outras questões se podem levantar – Y Ping Chow é o único representante chinês em Portugal com quem se possam estabelecer parcerias? Se outros empresários chineses pretenderem instalar-se na referida plataforma, serão obrigados a pertencer à Associação liderada por Ping Chow? Por que motivo foi excluída deste protocolo uma Associação como a dos Comerciantes do Distrito de Beja? Não haveria interesse em integrar o tecido comercial bejense nesta parceria? Provavelmente razões ocultas estarão por trás desta exclusão.
É verdade que um protocolo vale o que vale e que todas as amarras criadas pelo que agora foi subscrito pelas entidades referidas, são contornáveis. Porém, ele indicia uma certa vontade de dar primazia ao empresariado chinês. Ora, sabe-se, as empresas chinesas que se vierem a instalar, vão laborar com a mão-de-obra oriunda do seu País (foi o próprio Y Ping Chow que o afirmou), pelo que a miragem de emprego ficará cada vez mais como um sonho. Isto é, o tecido produtivo gerado por esta parceria será um negócio da China, mas já se percebe qual o parceiro que vai retirar o grosso das vantagens.
O projecto do Aeroporto – que tem sido um negócio da China para alguns – entra agora numa fase crucial.
Seria uma pena que ele se visse, no futuro, ancorado a uma única plataforma logística e subjugado a negócios da China.
Os próximos tempos dirão quem, afinal, vai lucrar com este protocolo.
João Espinho
23 de Fevereiro de 2007
27 de Fevereiro de 2007 às 20:25
clap clap clap clap…
27 de Fevereiro de 2007 às 20:56
Cheira-me a casas sem condições para albergar centenas de trabalhadores chineses laborando sem descanso, controlo, sindicatos etc. Isso lembra-me de certos tempos no século passado num certo país na Europa central….
1 de Março de 2007 às 20:26
http://www.amnistia-internacional.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=109&Itemid=79
1 de Março de 2007 às 20:28
Só mais uma achega ao texto do nikonman.
O vergonhoso “negócio da china”:
(seguir link abaixo)
1 de Março de 2007 às 20:36
http://www.amnistia-internacional.pt/dmdocuments/China_relatorio_migrantes.pdf
1 de Março de 2007 às 20:38
E se alguém tiver dúvidas – por exemplo, a C. M. de Beja, o NERBE ou a própria EDAB -, fica aqui, na integra, o relatório da Amnistia Internacional sobre