Abr 24 2006
Constituição – Amor e Ódio
(crónica publicada no “Correio Alentejo”, de 14/4/2006)
Assinalaram-se recentemente os 30 anos da Constituição da República Portuguesa. Celebrado com intervenções na Assembleia da República e um pouco por toda a parte, este 30º aniversário foi, porém, abundantemente solenizado pelo Partido Comunista Português, que lhe dedicou uma atenção especial, consubstanciada em várias iniciativas, de que se destaca uma edição integral e em livro da Lei Fundamental, com a chancela das «edições Avante!», prefaciada por Jerónimo de Sousa, e vendida por apenas 2 euros.
A ligação que o PCP tem com a Constituição pode traduzir-se numa relação de ódio e amor, pelo que esta celebração efusiva, acontecendo na fase de consolidação da paixão, denota ainda algum saudosismo pelos tempos da recusa.
Para se perceber um pouco este relacionamento PCP/Constituição convém reler, mesmo que superficialmente, um pouco do que tem sido a História da Lei que regula e ajusta a nossa Democracia.
Estaremos todos recordados dos tempos em que, na Assembleia Constituinte (AC), os deputados do PCP (e também do seu apaniguado MDP/CDE), para já não falar nos extremos do hemiciclo, desejavam fazer daquela câmara um mero palco de produção legislativa, evitando-se a discussão política e o consequente repúdio pelos desmandos revolucionários do PREC. Foi contra o PCP que naquela Assembleia se regimentou o período “antes da ordem do dia”, que serviu a maior parte das vezes para que se ouvissem na tribuna os comentários e análises à Revolução e ao MFA. Foi por isso, estamos recordados, que os deputados do PCP e do MDP/CDE se ausentavam do Hemiciclo durante este período, pois a maioria dos parlamentares não desaproveitava a oportunidade para denunciar os desvios aos compromissos assumidos pelos militares de Abril.
A Assembleia Constituinte, recorde-se, não teve vida fácil.
Nas ruas, os movimentos radicais, apoiados e estimulados por um visionário Otelo/COPCON, a que se somavam os Conselhos Revolucionários dos Trabalhadores, Soldados e Marinheiros, tinham eco nas célebres e dilatadas Assembleias do MFA, onde se fabricava legislação reguladora da Democracia, numa clara intenção de “esvaziar” a Constituinte. Deve ter sido por isso que o líder do MDP apoiou tão arduamente o documento onde se dizia que “o MFA considera ser seu dever tornar explícito que a AC tem como exclusiva atribuição a missão patriótica de elaborar a Constituição da Nação Portuguesa, sendo-lhe vedado qualquer outro tipo de interferência oficial na vida política ou administrativa nacional”, no que foi secundado por Vital Moreira (então destacado militante do PCP), que chegou a ameaçar com a não promulgação da Constituição.
A radicalização do MFA tem, no PCP, um aliado, chegando algumas das suas bases a reclamar a dissolução da AC. É o poder militar a tentar controlar “os caminhos para uma sociedade sem classes”, por um lado, e, por outro, um PCP a pôr em causa a única Assembleia com legitimidade “para definir a estrutura do Estado democrático e socialista que lhe advém de eleições livres (…)” (Emídio Guerreiro, então líder do PPD).
Seria aprazível para alguns – e não duvido que fastidioso para outros, continuar aqui a discorrer sobre os vários episódios da fase de ódio que o PCP nutriu pela AC e pela aversão, diversas vezes proclamada, à ideia de ser implantada em Portugal uma democracia parlamentar.
Apesar de bloqueios, de barricadas, de sequestros e da tentação em dissolver a Assembleia, a Constituição é promulgada em Abril de 1976 e, desde então, foi sujeita a várias revisões das quais destaco a de 1982, que pôs fim ao poder político-militar, a de 1989, que acabou com o colectivismo estatizante, e a efectuada em 1997, quando se consagraram importantes reformas do sistema político (algumas ainda por efectivar).
A Lei Fundamental é um documento vivo, que permitiu instaurar uma democracia pluralista, estão lá definidos e garantidos os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e é, sem dúvidas, uma ferramenta para o desenvolvimento económico e social do nosso País.
Passados 30 anos sobre a primeira Lei, depois dos melhoramentos a que já aludi, e que têm tido no PCP um sério opositor, é legítimo perguntar: que Constituição celebra agora o PCP com tanto júbilo e profusos eventos? Que fantasma se tenta ressuscitar quando se afirma, como Jerónimo de Sousa o fez, que “a democracia política pode estar em perigo”?
A resposta tem sido dada e cabe, obviamente, aos portugueses.
João Espinho – 14/4/2006
26 de Abril de 2006 às 0:58
0k. percebo o corte.
26 de Abril de 2006 às 1:00
qual corte?