Mar 31 2006
A ZEBRA
É, invariavelmente, às riscas. Não se sabe se pretas no branco se brancas no preto.
Vaidosa na sua monotonia monocromática, mostra os dentes sempre que vê um espelho por perto.
E julga-se inteligente porque sorri, mesmo sabendo-se que, no seu interior, é a tristeza que impera. É um sorriso, também ele a preto e branco, que espuma algo de indefinido. E é um sorriso particular, como só as zebras sabem assumir. Angustiada, vive entre o nobre cavalo e o doméstico asno. Mas em nenhum deles reconhece a sua matriz. Vive na fantasia de se transformar em tapete de casa de luxo ou de vivendas de senhorios coloniais. Entrega-se ao espezinhamento de forma altruísta. Por isso o seu sorriso.
Para agravar esta triste condição, a Zebra padece de crónica frigidez, o que a torna particularmente ressabiada e invejosa face a qualquer fêmea sexualmente feliz, mesmo não sendo da sua espécie.
Quando co-habitante do zoo, deita o olhar ao macaco e ao elefante. Mas era com o tratador que lhe dá de comer que ela seria uma fêmea realizada. O tratador, porém, recusa-se a saciar-lhe as fomes.
Como se tal mal não fosse já por si pesado fardo, os parceiros, vários, que esta Zebra de asséptico cio tentou recrutar, não mostram competência capaz de inverter as suas descargas de bilis, e ela, assim, frustrada e impotente, enlameia-se na sua baba revoltada.
A zebra é um animal. Da selva e do zoo. Mas também do circo. Também das celebridades.
Pena é que haja quem lhe vista a pele.
Uma zebra curiosa
Desertou, um certo dia,
Do circo onde vivia
E aos montes foi parar.
Lá encontrou certo burro
De pelo fino e lustroso
Que a olhou curioso
E continuou a pastar.
– Eu sou artista de circo!
Disse a zebra com vaidade.
– Sou menina da cidade
E por todos respeitada…
Toda a gente me conhece
E eu conheço toda a gente.
Assim vivo alegremente,
Não tenho falta de nada…
E tu, burro, para que serves?!
Sei que não vives do vento,
Mas tenho pressentimento
Que nem vales tuta e meia…
Disse a zebra curiosa,
Talvez sem se aperceber
Que estava a tentar meter
O nariz na vida alheia.
O burro, embora ofendido
Com a zebra impertinente,
respondeu-lhe, simplesmente:
– Sou burro de criação!
Mas despe, fazes favor,
O teu pijama riscado
Que eu te mostro com agrado
Qual a minha profissão…
Manuel Apolinário
31 de Março de 2006 às 11:41
Genial!
O que há mais por aí, e por aqui, também, são zebras fora do zoo e da selva.
31 de Março de 2006 às 12:14
algo me diz que são estas ‘postas’ literárias que vão ser a nova secção das ‘bichas na praça’…….
2 de Abril de 2006 às 18:47
por acaso estou a ver uma zebra assim… só que esta é anfíbia… será a mesma?