Jun 13 2005
ADEUS EUGÉNIO DE ANDRADE
ADEUS
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
Eugénio de Andrade
13 de Junho de 2005 às 10:15
Adeus.
13 de Junho de 2005 às 14:25
eugénio de andrade é a última donzela da poesia portuguesa. um poeta da claridade cega.
13 de Junho de 2005 às 16:06
De nós, a memória e o testemunho. Que um poeta não se cala, nunca, a não ser quando as suas palavras forem perdidas e a sua voz esquecida. Pois que na vida, como diz Eugénio, tudo nos pede água…
Um abraço.
13 de Junho de 2005 às 23:37
Mas será que quase todos escolhemos o mesmo poema?!?!?!
14 de Junho de 2005 às 10:08
Até logo …
15 de Junho de 2005 às 4:45
nem todos escolhemos o mesmo poema… eu recuso publicar este porque as palavras de Eugénio de andrade jamais estarão gastas!