Abr 12 2005
Célia -49-
Célia avisou-me que aquele encontro seria só para que não restassem ódios e rancores na relação que agora terminara. Sempre a vi como uma mulher decidida, sem hesitações, determinada, pelo que aquele encontro me pareceu uma pura perda de tempo, ou, e isso eu não queria admitir, uma tentativa para não encerrar mais um capítulo da sua vida. Pelo menos ela não quereria que a relação terminasse de forma violenta. Não equacionei que se tratasse de um retrocesso.
Durante as horas em que Célia se manteve ausente, decidi-me a rasgar atalhos e contactos do meu passado recente. A mim apetecia-me terminar o livro. Mais do que concluir um capítulo. Sabia que Mariana não desistiria de se assumir como mais uma peça nesta relação inicialmente triangular. Tinha a certeza que ela regressaria.
Quando deparei com o seu número, hesitei. Esquecer, ignorar, apagar? Ou deixar ficar?
Inexplicavelmente, liguei-lhe. Mariana pareceu-me agitada. Percebi que estivera a chorar.
“É também por ti. Posso ir a tua casa? Agora?”
Fiquei quase sem resposta. O que diria Célia, que prometera voltar directamente para o meu apartamento, se visse ali Mariana? Sem que eu a avisasse antes?
“Vi o carro de Célia à porta da casa dele” – disse-me, com um ar de quem lamentava a traição de que eu estaria a ser vítima.
Não tive tempo para explicar o que se estava a passar. Célia meteu a chave à porta, entrou, e olhando para Mariana ainda disse: “Pensei que era contigo que ele se ia encontrar agora”, e saiu sem que eu conseguisse dizer uma única palavra.
14 de Abril de 2005 às 9:21
Nesse dia levantou-se mais cedo. Ainda antes da hora habitual em que os sons dão início ao começo das rotinas. Tomou um duche, mas antes, e em frente ao pequeno espelho passou duas vezes com toda a calma a lâmina pela face. Após a primeira passagem e já depois de ter lavado a cara viu como havia ainda uns pelos que tinham escapado á primeira razia.
Queria ir perfeitamente escanhoado, e por isso insistiu. Deslizou com a mão pelo rosto e pescoço e ficou satisfeito com o resultado.
Vestiu-se com a roupa que lhe tinha sido deixado de propósito na noite anterior para aquele dia especial e pôs um pouco de perfume que ele guardava num cantinho para os dias especiais. Voltou a ver-se ao espelho, e viu o quanto tinha envelhecido. Arranjou-se o melhor que pôde. Quando a campainha se fez ouvir, um funcionário veio abrir a porta, e escoltou-o dizendo;
– Por aquí senhor….-
A passagem fez por entre a biblioteca que ele tão bem ficara a conhecer ao longo destes longos doze anos.
Pararam em frente a uma porta.
O funcionário bateu à porta e do outro lado ouviu-se:
-..Entre..-
O funcionário abriu a porta e despedindo-se de aperto de mão, disse:
– Tive muito gosto senhor embaixador…-
Ele apenas esgou um sorriso breve e um balbuciar de qualquer coisa de circunstância.
A porta voltou a fechar-se e os dois homens ficaram a frente a frente. Depois o homem que estava no gabinete pediu ao recem chegado que se sentasse.
– Pois é. Já passaram doze anos…
Tem aquí os seus pertences pessoais.-
E dizendo isto passou-lhe para as mãos um relógio, uma bolsa pequena e uma carteira.
Ele, pegou na carteira e desfolhou-a. No seu interior uma foto sorria-lhe com o esplendor de anos idos.
Veio-lhe tudo num relançe à memória. O último encontro que nunca chegou a acontecer, antecidido do seu último telefonema. A entrada de rompante na embaixada pela MI5 e Scotland Yard, com um mandato especial de captura, ao qual vinha apenso a perda de mandato e a consequente perda de imunidade diplomática. A detenção da rede terrorista. O desmoronar de toda a sua vida…..
– Agora já sabe que vai ser expulso do pais…-
Disse o director do establecimento prisional.
Ele sabia. Melhor que ninguém! Toda a sua vida tinha sido o deambular pelas galerias abertas e escondidas da diplomacia. Sabia de tudo. Melhor que ninguém.
Fez uma pausa enquanto recuperava dos pensamentos.
Guardou lentamente a foto de Célia, e olhando para o director despediu-se de aperto de mão.
– Até nunca sr director.-
– Espero bem sr embaixador-
E dizendo isto saiu.
Lá fora, outros dois funcionários aguardavam-no com o despacho oficial de expulsão na mão. Iriam escoltá-lo ao aeroporto.
Cá fora, já dentro do automóvel, olhou para o céu cinzento.
Vai chover outra vez. Maldita terra esta…..