Mar 15 2005
Célia -48-
Foi com ternura que lhe olhei profundamente.
Sabia que Célia, naquele momento, precisava essencialmente de carinho, ternura e que as palavras fossem poucas. As minhas e as dela.
O rompimento, que assumira em privado, estava a causar-lhe problemas na redacção da revista onde trabalha. Intromissões vindas do exterior, mas que ela soube identificar, quase que lhe destruíam a carreira e a levavam ao abandono do periódico.
Não quis estar a pedir-lhe definições quanto ao futuro. Tinha receio que me questionasse sobre Mariana e tudo o que se passara nas últimas semanas.
Agora queríamos só tentar olhar-nos e compreender-nos. Sabíamos da fortaleza que teríamos que construir à nossa volta. Pensei, quando lho disse, que estaria a ajudá-la, mas Célia não perdeu tempo:
“ e tu estarás a reconstruir as tuas defesas?”.
Ela sabia e tinha permitido que me entregasse. Mas percebia também as reservas. Tentei desviar o assunto. Em vão. “Sem a tua segurança não conseguirei dar o passo seguinte”.
Questionei-me quantos seriam os passos seguintes. O que faltava para que os pesadelos e medos se diluíssem. Uma mensagem cai-lhe no telefone. Levanta os olhos, onde vejo uma tristeza que me atormentou, e diz-me: “É ele. Quer uma última conversa comigo”.
De repente vi, como num filme que nunca mais termina, imagens das primeiras hesitações.
Nessa noite quis ficar só. Entreguei-me a escrever. Ignorei as mensagens de Mariana. Fechei mais esta porta.
15 de Março de 2005 às 19:00
O avião de Londres, aterrou na Portela à hora certa. No meeting point Célia esperava com uma ansiedade reprimida o instante em que Sheila surgisse. Ficara deveras intrigada da forma como Sheila se tinha despedido dela no último telefonema. Um breve sorriso iluminou a sua face quando os cabelos louros da sua mais que amiga surgiu no meio da multidão que caminhava na sua direcção. Cumprimentaram-se efusivamente e dirigiram-se á sadia, onde um taxi tinha ficado em espera.
– Leve-me á praça de Londres..- disse Célia, quando as duas se sentaram no banco corrido de trás.
Enquanto o carro se dirigia para o destino indicado, Célia tentou adiantar mais sobre a forma como tinham terminado o contacto telefónico dias antes. Mas Sheila, manifestando uma reserva prudente, desviou sempre a conversa para as trivialidades. Era nítido que não queria correr quaisquer riscos, e nem um improvável taxista de circunstância lhe fazia baixar a guarda.
Chegadas à praça de Londres, Célia pediu ao condutor para dirigir o carro para a rua Marquesa de Alorna. Um dos apartamentos do seu ainda marido ficava no inicio da rua. Não o seria por muito tempo, já que Célia decidira dar um rumo definitivo á sua vida, e a falsidade que esta relação representava há muito que tinha cobrado os seus tributos.
A sua relação sentimental com o embaixador, firmada em papel tinha sido um importante tónico no seu prestígio pessoal e profissional. Mas o preço que pagara fora alto demais. Célia decidira de vez dizer basta.
Saíram do Taxi que rapidamente desapareceu na Avenida da Igreja diluindo-se no cadinho dessa enorme fornalha que são as veias e artérias de qualquer grande cidade, percorridas infernalmente pelos glóbulos de metal que a atravessam freneticamente de lés a lés.
Entradas no apartamento. Sheila, verificou todos os quartos e finalmente disse-lhe falando baixo:
– Célia! A tua vida corre perigo-
Célia gelou. Curiosa a forma como encaramos a vida. Semanas antes ter-se ia rido na cara dela. O suicídio tinha-se tornado uma obsessão. Mas agora? Agora que tinha posto rumo novo, sentiu um baque no seu peito. Sheila continuou:
– Esta semana ouvi umas coisas, sem querer, e o teu marido entrou na secretaria com uns envelopes debaixo do casaco. Vinha com o semblante alterado e pediu-me que os destruísse imediatamente. Sem que tenha todo tempo de verificar nada visto ele estar presente, so tive tempo que ler o sobre escrito. Dizia