Fev 04 2005
Célia -47-
Mariana, como lhe era hábito, descalçou os sapatos e atirou-se para cima do sofá.
Vinha com uma saia preta curta, que lhe assentava na perfeição sobre as meias pretas.
“Para que me convidaste para um café e tens a mesa cheia de chocolates?”.
Lancei-lhe ingenuamente um sorriso como que a pedir desculpas. Ela sabia que o chocolate era a minha iguaria preferida. E que só partilhava em ocasiões especiais.
“Queres saber de Célia?”, não esteve com meias medidas, rematando “ela sabe bem o que quer. Não te preocupes”.
Senti-me invadido nos meus pensamentos quando me lança, em tom provocatório “E nós, João?”.
Aquele não seria propriamente o momento para falar. Nem de Célia, nem de nós os dois.
Percebi que entre ambos havia qualquer coisa a resolver. Não me apetecia saber como se sentia enquanto amante do companheiro de uma das suas maiores amigas. Mariana adivinhou-me os pensamentos: “Ele é mais um passageiro. Que entrou e sabe que vai sair. Não sei até quando, mas ele será só um passageiro”.
Tentei perceber a intensidade dos seus sentimentos. Não me deixou raciocinar um segundo, “tal como eu sou para ti”, beijando-me sem que me desse tempo de concordar com ela.
Nessa noite soube o quanto amávamos Célia.
4 de Fevereiro de 2005 às 17:43
Célia….Você ama Mariana ?
Célia ficou olhando para ele.
Durante uns instantes pensou se deveria ignorar a pergunta do clínico, dando uma resposta lateral ou se simplesmente levantar-se e ir-se embora.
O médico, adivinhando o que acabara de despertar adiantou-se.
– Sim Célia. Agora que você já me disse tudo, é hora de começar a dizer a verdade.-
Célia levantou-se e desviou o olhar.
– Se quer saber, odeio a Mariana, doutor!-
Voltou-se para ele e disse- o mais uma vez, levantando a voz quase gritando:
– Odeio-a! Sempre a odiei. Essa é a verdade se é o que quer saber, doutor! –
E dizendo isto, abaixou a cabeça e umas lágrimas traiçoeiras espreitaram . Ele aproximou-se um pouco e sem mais continuou.
– Você não odeia a Mariana. O que você odeia é o facto de ter de reprimir a atracção profunda que sente por ela. Na verdade, você sofre por não ter assumido nunca a sua dupla orientação, e….-
– Porventura sabe quem é Mariana?- interrompeu Célia.
– Sei o suficiente para saber que você reparte muito com ela…até os amores…
Esperou um pouco, enquanto a olhava e continuou:
– Sei, e você também sabe melhor que eu, que o seu sofrimento lhe vem daquilo que o seu consciente recusa mas o subconsciente lhe lembra a todo instante. É hora de pôr as suas dúvidas em ordem.
Você, Célia, nunca amou o seu marido. Deixou-se deslumbrar pelo fascínio da alta roda. Aproximou-se de mais da chama e queimou as asas como uma mariposa ingénua.-
Célia não o deixou continuar. Sem mais cortou:
– Duvidas, doutor? Como pode você falar-me em dúvidas. Por acaso o doutor tem as suas dúvidas resolvidas? Como é que as resolveu? Por acaso as dúvidas não vem sempre umas atrás das outras? Não será que para cada pergunta respondida, surgem um mar de perguntas novas sem resposta?
O médico olhou para ela surpreendido, e Célia continuou-
– O que faz um jovem estudante de medicina embrenhar-se pela carreira da psiquiatria, e estudar anos a fio se não for uma imensa motivação interior? Não foram as pressões das suas dúvidas que o fizeram avançar para a sua profissão? …
Olhe doutor, por hoje chega. Não sei quando voltarei, ou se voltarei alguma vez.-
E dizendo isto saiu sem fechar a porta do consultório. Desceu as escadas. Da janela o médico ficou olhando para ela, que descia a rua.
Sentou-se á sua secretária e escreveu um pouco. Acendeu um cigarro, deu uma passa e apagou-o logo de seguida.
Pegou no telefone e ligou um número. Esperou um pouco, e disse um palavra chave. Do outro lado uma voz feminina pediu para esperar um pouco.
-Vou já passar a chamada já ao senhor embaixador, doutor.-
Quando a conversa acabou, a telefonista marcou outro número, mas do seu telemóvel.
-Célia, olá como estás?! Sou eu, a Sheila! Olha este fim de semana voo para Lisboa. Precisava muito de falar contigo. Não é coisa que se possa falar pelo telefone. Nem calculas as coisas que tem acontecido aqui na embaixada….
4 de Fevereiro de 2005 às 23:53
Parabéns a ambos.