Nov 25 2004
Célia -44-
Sentei-me no carro, desta vez decidido. Não poderia adiar por mais tempo uma conversa que teimava em não surgir. Quando, naquela noite, depois da súbita visita de Mariana, e já muito depois da sua saída, liguei o telefone, reparei que Célia havia tentado chamar-me uma dezena de vezes. Estranhamente não me deixara nenhuma mensagem nem nada para que eu pudesse perceber aquela ânsia.
Há alguns dias trocámos algumas palavras, curtas, pois as suas mais recentes decisões haviam-lhe cortado a liberdade. Agora sentia-se refém de si própria. Sabia que todos os seus passos estavam a ser seguidos e que o próprio telemóvel era sujeito a inspecção. Numa das mais recentes missivas dizia-me que não amava o homem com quem escolhera viver. Mas que não tinha outra alternativa se não continuar a seu lado e a acompanhá-lo em mais esta missão no estrangeiro. Seria a última do diplomata e, para ela, provavelmente, também um ponto final na felicidade que procurava. Deu-me a entender que seria quase impossível voltarmos a conversar longamente e os contactos telefónicos tornar-se-iam raros. Talvez uma carta ou outra, mas mesmo essas ela tinha receio que fossem interceptadas. O diplomata era pessoa influente e ela, com os seus medos e, não tenho dúvidas, inseguranças, sentia-se espiada por toda a parte.
Antes de sair, hesitei em dar-lhe um toque para o telemóvel. Tinha consciência que esse era um risco demasiado grande. Tentaria vê-la, ao longe, e quando a soubesse livre, ligar-lhe-ia para lhe dizer que estava ali, bem perto, e pedir-lhe-ia uma breve conversa.
Verifiquei se levava comigo a carta que lhe ia entregar. Não sabia se teria tempo disponível para lhe dizer que seguisse o seu caminho, pois que eu teria que seguir o meu. Sabia que aquelas seriam palavras duras, para ambos, mas eu não poderia continuar a viver numa correria desenfreada para o abismo. E se ela já tinha visitado as profundezas da depressão e de uma tentativa de suicídio, eu não me podia permitir acompanhá-la nessa viagem.
Quando ponho o carro em marcha, para percorrer as centenas de quilómetros até à capital, e sem saber sequer se a conseguiria ver, toca o telemóvel e vejo que é Célia:
“Estou aqui perto de ti. Vai ter comigo ao Parque. Tenho pouco tempo.”
Não me deu tempo para responder.
Segui a toda a pressa para o sítio combinado e, meio perdido, procurei-a.
Ao vê-la, naquela manhã de céu cinzento e nuvens carregadas, mas por onde o Sol ainda conseguia romper, senti que tudo o que lhe queria dizer não fazia sentido.
“Só tenho meia hora”.
Foi o tempo suficiente para decidirmos os nossos futuros.
Li-lhe a carta. A seguir rasguei-a e entreguei-lha num sinal de perdão.
Guardou os pedaços daquela escrita e, naquele momento, soubemos ambos compreender o significado deste gesto.
Nessa noite convidei Mariana para um jantar.
26 de Novembro de 2004 às 14:52
ups……..vou-me esconder !!!
27 de Novembro de 2004 às 0:27
O diplomata era o que se podia chamar um homem com uma carreira de sucesso.
A par dos seus êxitos no campo diplomático, era um dedicado coleccionador de obras de arte. Todo ele vivia no ambiente de requinte, arte e cultura e foi nesse ambiente que conhecera Célia.
Ela ficou inicialmente fascinada por ele. Proporcionou-lhe a fenomenal entrada para um mundo com o qual ela sempre sonhara. Ele era de facto um gentleman na verdadeira acepção da palavra. Culto, cortejador com um discurso e postura de grande elevação. Ele por sua vez via nela uma alma gémea. Culta, de formação superior, interessada e bonita. Ele convidou-a a uma recepção oficial. E depois para outra. Era bom demais para ser verdade, e embora bastante mais velho que ela, o romance nasceu e juntaram o seus destinos. As coisas correram de feição nos primeiros tempos, até que um acontecimento veio a colocar um parágrafo na relação.
X(chamar-lhe-ei assim para não ferir susceptibilidades) resolveu apresentar a esposa á família. O casamento tinha sido feito na Inglaterra onde viviam e supostamente o pais dele não tinham de forma nenhuma podido estar presentes. Além do mais tinha sido um acontecimento precipitado levado pela onda da paixão.
Mal chegaram a Sintra, Célia abismou-se com a grandeza da vivenda. De estilo clássico, rodeada de jardins e uma pequena mata. No interior, obras de arte como nunca tinha visto, nem mesmo sendo o marido um fanático coleccionador. Ficou maravilhada. Sentia-se pequena perante tanta exuberância.
– Mãe, esta é a Célia, minha esposa- foi assim que X interrompeu os pensamentos dela.
Ela sorriu e voltou-se para a senhora fazendo pequeno aceno de cabeça como manda a etiqueta e o protocolo, e dirigiu-se lhe no sentido dum cumprimento, mas a recepção foi a coisa mais fria que ela tinha sentido nos últimos tempos. A mãe de X não se moveu ao encontro dela ficando impávida deixando Célia com uma sensação de desconforto Um simples e breve aperto de mão e um :- Como tem passado- dito com uma grande altivez e distanciamento
X viu logo ali que a coisa não ia bem e, oportuno como ele sabia bem ser na sua profissão, voltou-se para o Pai que tinha acabado de entrar para o salão e disse-lhe num único folgo de forma a ultrapassar o embaraço: – Pai, apresento-lhe a minha esposa, que….-
Ao qual o pai respondeu interrompendo:- Aí é? O menino é que sabe….-
Célia sentiu o mundo fugir debaixo dos pés. Algo despertou nela como um ferrão cru e nu. A dura realidade veio-lhe ao cimo. Aquela gente não era do seu mundo. De que valia ter uma formação superior em artes. Conhecer de Rembrandt a Renoir de Cezane a Picasso, de conhecer os Nocturnos de Chopin, as liederen de Franz Shubert. As fugas de Bach e as grandiosas obras Wagner. Quantas vezes tinha ouvido Debussy…. Talvez mais que eles que a ela, desprezavam nitidamente.
Aquelas pessoas eram as que faziam a importância dos seres pelo berço. Eram aqueles que poderiam ter em casa um Van Gogh mas que atiçar-lhe-iam os cães se porventura o tivessem visto no quintal da sua propriedade a pintar um quadro. Eram os que prezavam a arte mas que desprezavam o artista.
Célia posou o braço em X e disse-lhe que a levasse dali imediatamente
.Tiveram a primeira séria discussão e as coisas nunca mais foram as mesmas. Ela percebeu logo nesse instante o porquê dos pais não terem estado presentes pela ocasião do casamento. Percebeu outras coisas ás quais não tinha ligado muito mas que de repente passarem a fazer todo o sentido.
E ela disse-lhe isso tudo!
Na ocasião seguinte em que ela foi a uma recepção oficial junto ao seu esposo, sentiu-se mais que nunca apenas mais um biblot decorativo, mais uma das peças de arte que ele coleccionava. Tudo se precipitou de repente quando a conjuntura internacional se precipitou. As alterações da conjuntura Internacional tinham feito com que ele se tivesse de deslocar para o Médio Oriente.
Ela pediu-lhe para ficar em Portugal.