Parece que de repente grande parte do País se tornou marcelista. Para além daqueles que semanalmente, e de uma forma quase religiosa, bebiam as palavras de Marcelo Rebelo de Sousa na TVI, tenho agora a sensação que toda a gente o ouvia e concordava com as suas análises.
De uma forma um pouco estranha, vêm agora os supostos defensores da liberdade de expressão, dizer que há censura em Portugal, que o lápis azul voltou e que deixou de haver liberdade de cada um dizer o que lhe apetece, quando lhe apetece e como lhe apetece.
Vamos por partes:
1º – Os órgãos de comunicação social estão hoje nas mãos do poder económico. Falar da independência de uma televisão ou de uma rádio só faz sentido se ignorarmos quem, na realidade, domina os media em Portugal;
2º – A própria democracia em que vivemos é, também ela, um somatório de contradições, sendo que a mais evidente é aquela em que jornalistas, supostamente independentes, não se repugnam em escrever ou colaborar nos meios disponibilizados pelos grandes grupos económicos;
3º – Hoje, a liberdade de imprensa é quase uma miragem, um sonho. Não se pode escrever aquilo que se pensa, e só o pode fazer quem não vive da escrita. Os jornalistas estão acorrentados e de pouco lhes serve proclamar a sua independência;
4º – Neste caso, da auto-suspensão de Marcelo, não acredito que tenha havido censura de conteúdos nem me passa pela cabeça que o Primeiro-Ministro tenha feito pressões para que Marcelo deixasse de fazer os seus comentários. O que se passou foi que um Ministro se revoltou contra o Professor e as suas prestações televisivas e os administradores da estação deverão ter feito contas aos negócios que têm, ou pretendem vir a ter, com o Estado, e terão achado melhor mandar calar o professor. A TVI é uma estação privada, pertença de um grupo económico, e nela mandam os seus administradores;
5º – Obviamente que ninguém cala Marcelo Rebelo de Sousa que, neste momento, deverá estar a rir a bandeiras despregadas, por mais este facto político por si criado, talvez o maior e com mais impacto da sua longa carreira política. Não estranharei se, numa noite destas, o professor me entrar pela casa dentro, desta feita pela mão da SIC.

O caso Marcelo Rebelo de Sousa existe, e tem sido explorado até à exaustão, por razões várias. A principal, e que nada tem a ver com a Liberdade de expressão, deve-se ao facto de muitos agentes políticos questionarem a legitimidade deste governo, pois o Primeiro-Ministro que temos, nomeado pelo Presidente da República, não nasceu de parto normal, isto é, não foi sufragado em processo eleitoral, devendo a sua nomeação à benevolência interpretativa da presidência da república. Quando se reclama a favor de Marcelo, está-se a protestar contra Santana Lopes e pretende-se tão só pressionar Jorge Sampaio a demitir o governo da coligação.
Portanto, não temos que recear com a nossa Liberdade de expressão. Continuaremos à mesa do café a dizer mal dos governos e dos ministros, sem termos que olhar para o lado com medo de escutas ou bufos.
Eu continuarei a escrever o que penso, pois tenho um espaço chamado blog, esse sim, único meio de comunicação verdadeiramente livre, não subjugado a interesses empresariais ou económicos, e não me espantaria se também Marcelo Rebelo de Sousa viesse a fazer parte desse mundo que é a blogosfera.
Vamos então para o fim de semana descansados, pois a Democracia não está em perigo e a poeira deste caso há-de assentar.

(É provável que volte a este assunto)