Ago 16 2004
Célia -35-
A sua segunda chamada foi mais calma. Não havia ninguém por perto, tinha algum tempo para me contar o que vão ser os seus próximos meses, em que se prepara para a grande caminhada, a caminhada de uma vida, que nem ela sabe bem o que será.
Recordou-me que o país para onde vai fica na Europa, que não estamos longe, que em qualquer altura poderemos olhar-nos, enfim, Célia, no meio daquilo a que ela chama destino, ainda sofre de optimismo, apesar de eu lhe fazer ver que tudo mudou, a partir do momento em que ela assumiu o compromisso de acompanhar o homem com quem vive.
“O que mais me custa, João, não é o não saber o que vou encontrar. É saber aquilo que posso vir a perder”. Célia deixa a capital, onde já se movimentava e tinha os seus contactos, onde “tinha mais por onde escolher”, onde estava a tentar realizar-se. Perante o desafio (ainda não me contou se foi entre a espada e a parede) de seguir a vida confortável que um diplomata tem numa capital europeia a deixar-se ficar por cá, “mais pobre por fora, mas enriquecida por dentro”, Célia, mais uma vez, tomou uma decisão. Diz que era a que tinha que tomar, mas que sabe que não é a que ela queria para si.
Nunca a questionei das razões dessa decisão. Sei que a resposta nos magoaria.
Mas sempre a conheci assim. Tomado o rumo, não há retrocesso.
Célia vai agora “fazer caixotes, embalar livros, comprar roupa”, coisa que tem feito com certa regularidade ao longo da sua vida.
O que eu lhe achei sempre de mágico é que Célia faz tudo isto com o mesmo carinho com que faz precisamente o contrário. Quando rompe, quando se despede, quando refaz caixotes, quando tenta “rasgar as cortinas do passado”.
Não me admirou pois a sua última frase deste primeiro longo telefonema: “Não deixes que as nuvens escondam a luz do Sol”.
Não deixarei!
16 de Agosto de 2004 às 13:08
não deixes!