Jan 15 2004

Correspondência

Publicado por as 17:47 em Geral

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Fica aqui a correspondência trocada entre mim e o Caves do Comandante, sobre as intervenções urbanísticas que têm sido efectuadas em Beja, no cumprimento do Programa POLI’s.

Diz O Comandante, sobre o que eu escrevi:

«Não pretendi de modo nenhum defender uma intervenção que, em primeiro lugar, não é minha e, em segundo, penso não ter sido feita. Não a verdadeira, a necessária. Essa ficou por fazer. No meu humilde entender, pelo menos…
Em relação à perspectiva histórica, Portugal passou no último século, por alterações de visão face ao património que nos fazem ver hoje o património como uma coisa quase intocável. Resta saber o que é património. O que interessa defender e como fazê-lo. Compreendo que as pessoas se apeguem a uma imagem com a qual cresceram mas, seria essa aquela que interessava defender? Seria porventura mais interessante, até do ponto de vista histórico, ir buscar uma lógica anterior? Não sei. Penso que também não. Seria uma coisa a estudar, porém. Mais uma vez, não quero defender nada. Apenas levantar questões. As opções da arquitectura davam um artigo, um livro, um blog.
Mais uma vez sublinho, não quero aqui defender qualquer das intervenções. Não me cabe fazê-lo. Preocupa-me mais, isso sim, a intervenção de fundo que a nível de política urbana, Portugal (e não só Beja) vem adiando por falta de coragem em contrariar tendências de mercado ligadas a interesses económicos. Beja (e Portugal) não está só a ignorar o passado. Está a fazer a mesma coisa em relação ao futuro. Não só esquecemos o centro histórico como crescemos mal. Se existe mal-estar quando falamos do Polis, devia haver um motim quando olhássemos para tudo o resto. Um mal bem mais difícil de desfazer do que algumas (sublinho “algumas”) intervenções que há por aí.»

Ao qual eu respondi:

“O que me custa ver nesta cidade é, essencialmente, e como alguém aqui disse, querer fazer-se dela uma urbe moderna, quando se deveria estar a apostar numa intervenção pós-modernista. Não houve ambição, não se apostou na inovação, evitou-se o “choque”. O retoque que se lhe está a fazer tem 2 aspectos negativos:
a) não embelezou a cidade (logo não a tornou mais atractiva);
b) descaracterizou-a (será cada vez mais ignorada).

Quando me refiro aos aspectos patrimoniais históricos não estou a dizer para se deixar estar tudo como está (para futura memória). O que eu gostaria é que a nossa cidade mostrasse as suas entranhas históricas, em co-habitação com uma arquitectura urbana arrojada. E a Praça da República poderia ter sido o início desse projecto.
Numa cidade que não tem tecido industrial, que vive de pequenas (micro) empresas, os seus governantes deveriam apostar em, por exemplo, turismo cultural. Vamos por essa Europa e sabemos o que vemos.
Tenho pena que se tenha perdido esta oportunidade. Em seu lugar, fizeram-se desarranjos urbanísticos fatais para a sobrevivência do núcleo central da urbe. E, meu caro, não há volta a dar-lhe.
Quando se chegar ao fim desta maratona que é o POLI’s, em que alguns dos projectos ficarão eternamente adiados (não acredito na obra da Av. Miguel Fernandes), chegaremos à conclusão que, com o mesmo dinheiro, e sem dispersão das intervenções, se poderia ter feito muito melhor.

Obviamente que o tema não encerra aqui.”

É claro que não encerrou.

Responde o Comandante:

“Parece que, afinal de contas, até estamos de acordo. Entramos, no entanto, numa área de discussão tão vasta quanto complexa. A falência da arquitectura contemporânea. Não estou falando obviamente
da arquitectura dos grandes mestres que, regra geral e independentemente do seu (in)sucesso, têm sempre muita coisa a ensinar. Falo dos noventa e tal por cento da arquitectura que é feita à “maneira de”, recheada de formalismos gratuitos, desprovidos de sentido de responsabilidade histórica e arquitectónica. Desconhecimento? Ignorância? Também. Mas o panorama nacional também não favorece o aparecimento de Arquitectura com “A” maiúsculo. Favorece a banalidade, o deja vu. Como dizia no início, a falência da arquitectura contemporânea está umbilicalmente ligada à falta de alma que tão bem mencionou, embora por outras palavras. E essa alma, como também disse, faz-se de riscos, de contrastes, de compreensão, de capacidade, de inteligência e de um conjunto de outros atributos muitas vezes esquecidos. Falta de coragem? De quem? Enfim. De facto, acho que no caso das intervenções que nos trouxeram aqui, falta alma, conteúdo. Artisticamente, a contenção, a minimalização das intervenções é dos processos conceptual e formalmente mais complexos.
Infelizmente (?), grandes e complexas intervenções “consensuais” só se conseguem sob regimes ditatoriais… Cruzes!”

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